domingo, 26 de junho de 2011

Sigilo de orçamento da Copa é inconstitucional, diz ministro do STF‏

Fonte: Jornal do Brasil on line Marcela Rocha
"Todo setor público que manuseia recursos públicos está compelido a prestar contas. Prestar contas a si mesmo não é prestar contas", avalia Marco Aurélio Mello, ministro do Supremo Tribunal Federal, para quem o sigilo dos orçamentos de obras para a Copa do Mundo no Brasil é "inconstitucional".
O ministro define a medida como "escamoteamento", "mau exemplo", "absurda". Isto porque, para ele, manter orçamentos em sigilo "é uma sinalização péssima, que tem uma leitura muito terrível e cáustica por parte dos cidadãos em geral". E conclui: "É um retrocesso".
Confira abaixo a íntegra da entrevista com o ministro Marco Aurélio Mello. Nela, ele comenta o recuo do governo em cumprir com a promessa de dar publicidade aos gastos da Copa do Mundo, que será sediada no Brasil em 2014, e dos Jogos Olímpicos, em 2016 no Rio de Janeiro.
Qual é a opinião do senhor sobre a transparência relativa que o governo pretende dar aos orçamentos da Copa?
"A publicidade é um princípio básico na administração pública", diz Marco AurélioMarco Aurélio Mello - A publicidade é um princípio básico na administração pública. E é ela que permite aos contribuintes em geral acompanharem o dia a dia da administração pública. A coisa pública não pertence a quem quer que seja, ela é do coletivo, do povo. E evidentemente tem que se primar pela transparência. Eu não concebo o sigilo em qualquer setor. Também não concebo, por exemplo, essas despesas do Planalto, que não vêm à tona e são guardadas, de certa forma, a sete chaves a partir de um pretexto.
Qual é e o que o senhor acha dele?
O pretexto de preservar a segurança de um dignitário, um dirigente. Meu Deus do céu! O dia em que eu não puder sair à rua, não puder estar na vitrine sendo visto por todos, terei que reexaminar meus atos para ver onde errei. Esse problema das obras da Copa peca de início pelo escamoteamento que querem fazer e pela falta absoluta de razoabilidade. Foi o que o procurador geral da República (Roberto Gurgel) disse, é um absurdo, não entra na cabeça dos cidadãos, que hoje vivem sob os ares constitucionais da Carta de 1988.
A MP 527 prevê um "segredo" dos orçamentos prévios da Copa
...A quem interessa esconder o jogo, usando uma expressão futebolística? A quem atende esse sigilo? Ao interesse público? Não. Aí, se seguir o sigilo, é possível até mesmo proceder-se de forma extravagante, com desvios e outras coisas. A publicidade tem o objetivo de buscar a eficiência mediante um acompanhamento pela imprensa, população...
Tem outras questões referentes à Copa, como flexibilizar licitações para agilizar o processo. O que o senhor acha disso?
Isso é péssimo porque abre um buraco no DIC. Hoje, se excepciona para isso, amanhã para outra coisa e daqui a pouco não teremos mais parâmetros. Nós não podemos cogitar de flexibilização de lei que busca justamente a lisura.
O argumento do governo é de que se houver publicidade nos preços, haverá acerto, acordão entre empreiteiras. O que o senhor acha dessa defesa da manutenção do sigilo?
Penso que o mercado tem uma sadia política: a concorrência. Eu não posso, a priori, partir do excepcional. Não posso pressupor que todos sejam salafrários até que provem o contrário. Vamos adotar o mecanismo para evitar esses conluios. Mas não o mecanismo do sigilo. A transparência é um valor que fala mais alto.
Esse sigilo pode ser chamado de inconstitucional?
Sim, a menos que se feche a Carta da República a qual todos se submetem. A publicidade é um princípio básico e que está na Constituição Federal. Podem coabitar o mesmo teto a publicidade e o sigilo? São coisas antagônicas.
O que isto significa para a democracia?
Paga-se um preço e o preço é o respeito às regras estabelecidas. É uma sinalização péssima, que tem uma leitura muito terrível e cáustica por parte dos cidadãos em geral. É um retrocesso.
Se essa mudança for mantida, os órgãos controladores como Tribunal de Contas da União só saberão das previsões dos gastos se o governo achar conveniente. Como o senhor avalia o tratamento dado aos órgãos de controle?
Pois é... Não tendo acesso, você vê que o sistema feito para a publicidade está primando pelo sigilo. Todo homem público e setor público que manuseia recursos públicos está compelido a prestar contas. Prestar contas a si mesmo não é prestar contas.

CÓDIGO CIVIL

No dia 17 de junho de 2011, sexta-feira, foi publicada no DOU a Lei 12.424, de 16/06/2011, que, ao acrescentar o art. 1.240-A, §§ 1.° e 2.°, prevê uma nova modalidade da usucapião: a usucapião especial urbana por abandono do lar por um dos cônjuges/companheiros.


Art. 1.240-A do CC. “Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§1.º - O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

RES: Justiça de Goiás restabelece união homoafetiva‏

Faço minha as palavras do Magistrado goiano, Dr. Villas Boas, pois o STF desprezou totalmente a letra da Constituição que trata do assunto, haja vista que não cabe, neste caso, qualquer forma de interpretação, salvo a literal, pois o parágrafo 3º do artigo 226 da C.F. é EXPRESSO ao definir que se reconhece a união estável “entre homem e mulher” , portanto, em meu entendimento, o STF legislou e não interpretou, em clara ofensa à separação dos poderes.

Justiça de Goiás restabelece união homoafetiva‏

Fonte: Consultor Jurídico
A corregedora de Justiça de Goiás, desembargadora Beatriz Figueiredo Franco, anulou, nesta terça-feira (21/6), a decisão do juiz Jeronymo Pedro Villas Boas, que havia cancelado a declaração de união estável de um casal homossexual. Nesta quarta-feira, a Corte Especial do Tribunal de Justiça goiano decidirá se abre processo administrativo contra o juiz.
A desembargadora avocou na segunda-feira (20/6) o ato do juiz, que, como titular da 1ª Vara da Fazenda Municipal, anulou a declaração de união estável e determinou aos tabeliães e oficiais de registro civil de Goiânia que não fizessem escritura pública das uniões estáveis homoafetivas antes do trânsito em julgado das respectivas sentenças.
Com a decisão, a defesa do casal não precisou entrar com Reclamação no Supremo Tribunal Federal, como pretendia fazer. Era certo que a decisão do juiz goiano seria derrubada, diante do pronunciamento do STF, que equiparou as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres.
O ministro Marco Aurélio, na segunda-feira (20/6), afirmou à revista Consultor Jurídico que a decisão do juiz de Goiás "causa perplexidade". De acordo com o ministro, o Supremo não reescreveu a Constituição Federal, como afirmam muito dos críticos da decisão.
"O Supremo Tribunal Federal interpretou a Constituição. E a decisão foi formalizada em um processo objetivo. Portanto, ela repercute além dos muros do próprio processo", afirmou o ministro. Marco Aurélio lembrou que a decisão do STF sobre união estável homoafetiva tem eficácia erga omnes. Ou seja, se aplica a todos, indistintamente.
O ministro lembrou também que a decisão do Supremo em relação à matéria foi unânime. "Será que todos nós erramos? Será que esse juiz é o dono da verdade?", questionou.
Apesar de criticar a posição do juiz, Marco Aurélio acredita que ele não deve ser punido: "Não cabe a punição. O que cabe é utilizar o remédio jurídico [no caso, a Reclamação] adequado para rever a decisão". Para ele, não é possível "compreender o ofício judicante sem independência".
Na opinião do ministro, a decisão do juiz de Goiás é ruim para o Judiciário porque o "cidadão leigo não entende esses descompassos, que geram um contexto de insegurança jurídica".
Mas Marco Aurélio defende que é necessário preservar a independência do juiz, mesmo diante de seus erros. "Prefiro mil vezes um juiz que erre, do que um juiz intimidado", disse. "O juiz tem de ter segurança para agir de acordo com sua ciência e consciência", concluiu.

O todo poderoso STF (sobre ativismos judiciais e os perigos da instauração de um terceiro turno da constituinte)‏

Sobre ativismos judiciais e os perigos da instauração de um terceiro turno da constituinte



Elaborado em 07/2009.

Trata-se da (tentativa de) regulamentação de uniões homoafetivas via jurisprudência do STF. Há uma tentativa de instauração de uma verdadeira jurisprudência da valoração, que leva à repristinação da idéia superada de que poderia haver normas constitucionais inconstitucionais.
Há uma obra de Otto Bachof que é bastante conhecida pelos cultores do direito constitucional. Ela se chama “Normas Constitucionais Inconstitucionais?”. A grande ironia que existe por traz desse fato notório é que o conhecimento das motivações históricas que levaram o professor alemão a escrevê-la é inversamente proporcional ao seu sucesso e sua "popularidade". Talvez seja interessante lembrá-los aqui. Principalmente quando vivemos em um país em que, a todo tempo, setores do pensamento jurídico-político apresentam teses que têm como pretexto um problema particular do cotidiano para, no fundo, desconstituir a Constituição (sem falar na patética tentativa recentíssima da PEC 341/09 que pretende cometer um haraquiri institucional, reduzindo a Constituição a 70 artigos). Essas propostas vão desde mini-constituintes para efetuar uma duvidosa reforma política, até à construção de um ambiente doutrinário no interior do qual se convive pacificamente com a degradação dos (pré)compromissos estabelecidos pelo constituinte de 1988 através de uma irresponsável defesa de bons ativismos judiciais para resolver problemas que a realidade imediata apresenta.
Desconsidera-se, assim, o elán vital que imprime significado a uma Constituição: ela é feita em momentos de "sobriedade" política para defender o Estado e a sociedade exatamente destas erupções episódicas de paixões e desejos momentâneos. Algo que pode ser compreendido a partir de Homero e seu Ulisses. Como é sabido, na Odisséia, Ulisses, durante seu regresso a Ítaca, sabia que enfrentaria provações de toda sorte. A mais conhecida destas provações era o "canto das sereias" que, por seu efeito encantador, desviava os homens de seus objetivos e os conduzia a caminhos tortuosos, dos quais dificilmente seria possível retornar. Ocorre que, sabedor do efeito encantador do canto das sereias, Ulisses ordena aos seus subordinados que o acorrentem ao mastro do navio e que, em hipótese alguma, obedeçam qualquer ordem de soltura que ele pudesse vir a emitir posteriormente. Ou seja, Ulisses sabia que não resistiria e, por isso, criou uma auto-restrição para não sucumbir depois.
Do mesmo modo, as Constituições funcionam como as correntes de Ulisses, através das quais o corpo político estabelece algumas restrições para não sucumbir ao despotismo das futuras maiorias (parlamentares ou monocráticas). Isso é de fundamental importância. Algo que os gregos ainda podem nos ensinar com a autoridade daqueles que forjaram o discurso democrático: entre eles as decisões mais importantes acerca dos destinos da pólis só poderiam ser levadas a efeito no diálogo que se estabelecia na ágora.
Mesmo nos momentos de desespero coletivo – como ocorre em casos de Guerra, o que aparece claramente no texto de Homero – era necessário obedecer à razão e não às paixões temporárias ou aos interesses derivados das preferências pessoais de cada um dos indivíduos. Como Ulisses e suas correntes, também a democracia construída pelos gregos passava pelo desenvolvimento de mecanismos que limitavam o exercício do poder e o racionalizavam. Enfim, mecanismos de pré-compromissos, ou de auto-restrição.
No caso de Bachof, o problema era de outra magnitude. Com efeito, nos anos que sucederam a outorga da Lei Fundamental (Grundgesetz) de Bonn (1949), a cultura jurídica alemã produziu um amplo debate sobre as questões que estavam implicadas neste ato. Essa Carta, produzida sob os auspícios do governo de transição, não poderia ser chamada de Constituição (Verfassung) porque lhe faltava o elemento de legitimação popular: não foi o povo alemão que colocou as regras que nela se apresentavam. Diante disso, a tese de Bachof pode ser enquadrada diante da seguinte pergunta: haveria a possibilidade de dizer que normas constitucionais possam ser inconstitucionais, por contrariar algum tipo de essência jurídica absoluta, ou mesmo o próprio sistema interno do texto constitucional, de modo a permitir uma alteração significativa de seu conteúdo? Quer dizer: tratava-se da (tentativa de) afirmação de um direito para além da própria lei fundamental que permitisse algo como uma "Constituição verdadeiramente alemã".
Por certo – e todos sabemos disso –, a tese de Bachof não vingou. Ao contrário, o Tribunal Constitucional Federal (Bundesverfassungsgericht) acabou se tornando o grande responsável pela legitimação da Lei Fundamental num período que ficou conhecido como jurisprudência dos valores (com todas as críticas que a ela devem ser feitas). Há autores que consideram que foi nessa época em que se deu a "perda das certezas jurídicas", referindo-se ao fato da criação de instrumentos metodológicos que propiciaram a "abertura" da estrita legalidade que sempre imperou em território germânico. Nessa medida, foram criados e redefinidos institutos como as "cláusulas gerais", os "conceitos jurídicos indeterminados", "normas em branco" e, evidentemente, os chamados "princípios constitucionais".
São nestes dois âmbitos de análise que tomamos emprestado o título da obra de Bachof para refletir sobre uma questão que tem tomado força em nossa comunidade jurídica. Trata-se da (tentativa de) regulamentação de uniões homoafetivas via jurisprudência do STF, como se fosse possível fazer um "terceiro turno" no processo constituinte. Com efeito, na teia de argumentos que se apresentam para a efetuação de uma tal medida, estão cruzados os dois modelos teóricos retratados acima. Eles se articulam de dois modos:
a) explicitamente, porque há uma tentativa de instauração de uma verdadeira jurisprudência da valoração, na medida em que se pretende criar uma "abertura de espaços jurídicos" para a criação de algo que depende da regulamentação do poder legislativo;
b) implicitamente, porque a argumentação da Procuradoria Geral da República leva à repristinação da idéia superada de que poderia haver normas constitucionais inconstitucionais, na medida em que o próprio § 3º do art. 226 da Constituição Federal seria inconstitucional (sic!) ao declarar que a proteção do Estado se destina a união entre o homem e a mulher, contrariando assim princípios sensíveis da Constituição como é o caso da segurança jurídica e da dignidade da pessoa humana.
O que preocupa neste tipo de pedido de tutela judicial é que ele traz consigo – de modo subterrâneo – uma idéia que tem ganhado terreno e aceitação por parte da dogmática jurídica nacional: a necessidade de se recorrer a "bons ativismos judiciais" para resolver questões que a sociedade em constante evolução acarreta e que os meios políticos de decisão (mormente o legislativo) não conseguem acompanhar.
Ora, as experiências históricas que nos foram legadas e que permitem desenvolver um conceito de ativismo judicial não apontam para o "bem" ou para o "mal" das atividades desenvolvidas sob este signo. Certamente, o que temos de modo substancial sobre o tema são as experiências oriundas dos Estados Unidos e da Alemanha. No contexto norteamericano, como nos lembra Christopher Wolfe, em seu The rise of modern Judicial Review, o ativismo judicial pôde nomear desde as posturas conservadoras que perpetuaram a segregação racial e impediram as transformações econômicas que o new deal de Rooselvet tentava operar na primeira metade do século 20, até as posturas tidas como progressistas ou liberais da Corte de Warren na década de 1960.
Na Alemanha, como já afirmamos, a atividade do Tribunal Constitucional Federal, também chegou a ser classificada por alguns autores como ativismo judicial, originando a corrente chamada jurisprudência dos valores (de se ressaltar que é exatamente a jurisprudência da valoração que será duramente criticada por Habermas, que a enquadrará como uma postura do poder judiciário que coloniza o espaço público e impede a tomada de decisões pela via democrática).
Em todos estes casos, o mais correto é dizer que não há como determinar a "bondade" ou a "maldade" de um determinado ativismo judicial. O mais correto é dizer que questões como essa que estamos analisando não devem ser deixadas para serem resolvidas pela "vontade de poder" (Wille zur Macht) do Poder Judiciário. Delegar tais questões ao Judiciário é correr um sério risco: o de fragilizar a produção democrática do direito, cerne da democracia. Ou vamos admitir que o direito – produzido democraticamente – possa vir a ser corrigido por argumentações teleológicas-fáticas-e/ou-morais?
Vejamos, resumidamente, como a questão está colocada nos termos da ADPF n. 178. Tal medida foi interposta no dia 02.07.2009 pela Procuradoria Geral da República, mediante representação do Grupo de Trabalho de Direitos Sexuais e Reprodutivos da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, objetivando o reconhecimento de união estável entre pessoas do mesmo sexo e a garantia dos mesmos direitos dos companheiros heterossexuais.
Cumpre salientar que, em virtude de despacho exarado pelo presidente do Pretório Excelso, a Procuradoria Geral da República emendou o pedido inicial no sentido de transformar a ADPF em verdadeira ADIn que teria como objeto o art. 1273 do Código Civil. Isso se deu em virtude de – nos termos do mencionado despacho – existir um problema formal no pedido formulado pela Procuradoria: a "inexistência aparente de objeto específico e delimitado" a ser enfrentado pela medida proposta. Ou seja, o pedido inicial não informava qual ato deveria ser desconstituído ou sequer que tipo de ação o Estado estava desenvolvendo no sentido de descumprir os princípios sensíveis da Constituição.
Na petição aditiva, a PGR aduziu que os atos do poder público, objetos da ação, eram dois:
a) Primeiro, o não reconhecimento pelo Estado Brasileiro das uniões homoafetivas. Tal fato importaria em uma omissão (sic) e que, por isso, não seria possível indicar os atos concretos específicos que ensejariam a procedência do pedido.
Neste ponto, ainda há outra questão a enfrentar: qual a diferença entre essa omissão alegada pela PGR e a omissão inconstitucional que deve ser corrigida pela via do Mandado de Injunção ou pela Ação Direita de Inconstitucionalidade por Omissão? Nos termos do pedido a diferença é marcada pelo fato de o Estado brasileiro já se encontrar obrigado (sic) a reconhecer as uniões homoafetivas independentemente da edição de qualquer norma infraconstitucional, em face da aplicabilidade imediata das normas de direitos fundamentais.
Ora, se aceitarmos esse tipo de argumento, continuaríamos dando vigência à vetusta tese daquilo que se convencionou a chamar de Direito Constitucional da Efetividade que insiste em dividir o texto da Constituição ao modo da metafísica essencialista, entre normas constitucionais em programáticas e não-programáticas, o que seria um duro golpe na idéia já sedimentada na doutrina constitucional de força normativa da Constituição.
E mais: de que modo poderia haver a referida omissão se a própria Constituição determina que é dever do Estado proteger a união entre o homem e a mulher? Onde estaria a omissão, já que é um comando constitucional – e note-se: não podemos falar em hierarquia entre normas constitucionais, caso contrário, estaríamos aceitando a tese de Bachof a respeito da possibilidade de existência de normas constitucionais inconstitucionais – que determina que a ação do Estado seja no sentido de proteger a união entre homem e mulher?
b) O segundo objeto da medida seriam as várias decisões judiciais que vem dando interpretação restritiva (sic) ao art. 1273 do CC, interpretando, assim, a Constituição de forma equivocada (sic).
Vejamos: nos termos da tese defendida pela PGR, a interpretação correta da Constituição aponta para um contexto mais amplo do que aquele retratado no mencionado artigo. A principiologia constitucional (mesmo com o § 3º do art. 226 dizendo o contrário) apontaria para a necessidade de compreender que a proteção do Estado à união estável entre homem e mulher deveria ser estendida às relações homoafetivas. A expressão homem e mulher contida no texto constitucional seria meramente exemplificativa (sic!). In verbis, a posição da PGR:
A única interpretação que torna o preceito (art. 1273 CC - acrescentamos) compatível com a Lei Maior é a que concebe a expressão ''homem e mulher'', contida em seu texto, como meramente exemplificativa, de forma a admitir a interpretação analógica do dispositivo, para que ele se estenda à união entre pessoas do mesmo sexo, desde que se configure como convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com objetivo de constituição de família.
Desse modo, a PGR pugna, como pedido subsidiário, pela transformação da ADPF em ADIn com pedido de Interpretação Conforme do art. 1273 do CC, de modo que ele apenas seria compatível com a Constituição se lido ao modo retratado acima.
De plano, salta aos olhos a seguinte questão: a efetivação de uma tal medida importa(ria) transformar o Tribunal em um órgão com poderes permanentes de alteração da Constituição, estando a afirmar uma espécie caduca de mutação constitucional (Verfassungswandlung) que funcionaria, na verdade, como um verdadeiro processo de alteração formal da Constituição (Verfassungsänderung), reservado ao espaço do Poder Constituinte derivado pela via do processo de emenda constitucional.
E isso porque a tese da PGR se perde em meio ao problema semântico e não avança em direção ao fenômeno mesmo que é a applicatio do texto constitucional. Essa hipertrofia com relação à semântica (que não deixa de ser um sintoma da permanência das bases positivistas no seio da dogmática constitucional) – que aparece claro em expressões como interpretação restritiva ou extensiva – encobre o problema essencial: como dar efeito vinculante e eficácia erga omnes a uma decisão do Supremo Tribunal Federal que realize uma Interpretação Conforme à Constituição (verfassungskonforme Auslegung)? Poder-se aduzir que o parágrafo único do art. 28 da lei n. 9868/99 autoriza tais efeitos para decisões que se utilizem das chamadas sentenças interpretativas lato senso. Mas, mesmo aqui, caberia o questionamento: poderia a lei ordinária alargar o espaço já estabelecido pelo poder constituinte? Não haveria, na espécie, usurpação de competência do constituinte?
E mais. As sentenças interpretativas só podem ser corretamente compreendidas através da diferença (ontológica – ontologische Differentz) que existe entre texto e norma. A interpretação conforme a Constituição não modifica o texto da norma, mas produz uma norma a partir da parametricidade constitucional. Esse é o limite do sentido e o sentido do limite. Ou seja, somente a partir dela – da parametricidade constitucional – e não a partir de analogias ou outras formas de extensão de sentido, é que se pode fazer a referida atribuição de sentido (Sinngebung). E, outra coisa: a diferença entre texto e norma não quer dizer que seja permitida a atribuição de qualquer norma ao texto. E muito se pode admitir que, a pretexto da aplicação da máxima hermenêutica "texto e norma", a PGR venha a pretender substituir o próprio texto da Constituição – pela via indireta da interpretação conforme dada ao Código Civil – por um outro (aquele que ela, a PGR, entenda ser mais adequado).
Portanto, voltamos ao problema fundamental da questão que passa ao largo das discussões jurídicas empreendidas nessa seara. Ou seja, que tipo de democracia queremos? Não se trata de ser contra ou a favor da proteção dos direitos pessoais e patrimoniais dos homossexuais. Aliás, se for para enveredar por esse tipo de discussão, advertimos desde já que somos absolutamente a favor da regulamentação de tais direitos, desde que efetuados pela via correta, que é a do processo legislativo previsto pela Constituição Federal.
O risco que exsurge desse tipo de ação é que uma intervenção desta monta do Poder Judiciário no seio da sociedade produz graves efeitos colaterais. Quer dizer: há problemas que simplesmente não podem ser resolvidos pela via de uma idéia errônea de ativismo judicial. O Judiciário não pode substituir o legislador.
Explicamos. Em um regime democrático, como bem afirma Ronald Dworkin, em seu A Virtude Soberana, é preciso fazer uma distinção entre preferências pessoais e questões de foro de princípio. O judiciário pode intervir – e deve – sempre que estiver em jogo uma questão de princípio. Mas não cabe a este poder exarar decisões que manifestem preferências pessoais de seus membros ou de uma parcela da sociedade. Isso por um motivo bastante simples: a democracia é algo muito importante para ficar à mercê do gosto pessoal dos representantes do Poder Judiciário. Se assim fosse, os próprios interesses dos homossexuais estariam em risco, posto que a regulamentação das relações entre pessoas do mesmo sexo dependeria da "opinião" e da "vontade" daquele que julga a causa.
Imaginemos: se a questão é analisada por um ministro favorável ao movimentos das minorias e da regulamentação de tais relações, sua decisão seria no sentido da procedência; por outro lado, um ministro conservador e alheio a essa "mutação dos costumes" julgaria improcedente o pedido. E é isso que, num caso como esse, não pode acontecer. A decisão a ser tomada em tais casos precisa ser levada à cabo no espaço político, e não no jurisdicional, justamente para evitar que sua resolução fique à mercê das opiniões pessoais dos ministros da Corte Constitucional. Ou seja, a decisão deve ser construída no contexto de uma sociedade dialogal, em que o Poder Judiciário tem sua função que não consiste em legislar. Em suma, uma questão como essa, justamente pela importância da qual está revestida, não pode ser resolvida por determinação de um Tribunal. É necessário que haja uma discussão mais ampla, que envolva todos os seguimentos da sociedade, cujo locus adequado encontra-se demarcado nos meios democráticos de decisão.
De todo modo, há uma perigosa tendência no interior da comunidade jurídica de recorrer aos tribunais para sanar eventuais omissões do legislador, pugnando por um verdadeiro exercício de uma tardia jurisprudência dos valores pelo STF (ou pelos demais tribunais da República). Basta notar que a atual ADPF (ou será ADIn? Ou poderia ser as duas coisas ao mesmo tempo?!?) foi distribuída por dependência a ADPF n.º 132, que já havia sido ajuizada pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro. As razões de ambas estão fundadas em uma alegada violação de princípios constitucionais (lesão a direito) e nas freqüentes denegações de direitos aos homossexuais. Tudo isso porque a união entre pessoas do mesmo sexo é uma "realidade fática inegável", fruto do processo de "liberalização dos costumes", já reconhecida em outros países, sendo que a ausência de tratamento "com mesmo respeito e consideração" em relação às uniões estáveis entre pessoas de sexos diferentes representa um "menosprezo à identidade e à dignidade" dos homossexuais. Trata-se da assunção de um sociologismo com roupagens jurídicas, mais do que argumentos que tratem de valores éticos e sua regulação jurídica. A ação menciona, ainda, a violação aos seguintes princípios constitucionais: 1) da dignidade da pessoa humana, 2) da igualdade, 3) da vedação de discriminações odiosas, 4) da liberdade e 5) da proteção da segurança jurídica.
Não deixa de ser instigante o fato de se mencionar o princípio da segurança jurídica como argumento autorizador da medida ajuizada pela Procuradoria Geral da República, uma vez que a procedência da ação poderia gerar uma instabilidade institucional pela fissura provocada no texto da Constituição através de um protagonismo da Corte Constitucional. Em outras palavras, a (in)segurança jurídica mostra-se ofendida, não por deixar sem regulamentação legal a convivência entre pessoas do mesmo sexo, mas sim no momento em que a Corte altera, a pretexto de um "esquecimento do constituinte" (sic) ou de uma "descoberta valorativa" (sic), ou, ainda, do saneamento (incorreto) de uma "inconstitucionalidade da própria Constituição" (sic), o texto da Constituição como se Poder constituinte fosse, gerando um tipo de mal-estar institucional gravíssimo.
Importante salientar, ainda, que a própria utilização da ADPF como mecanismo apto a sanar a "omissão do legislador" é equivocado. Isso porque, em casos de omissão, o manejo adequado dos mecanismos de jurisdição constitucional aponta para a propositura de um mandado de injunção (art. 5º, LXXI da CF). Ora, o mandado de injunção é ação de efeitos concretos que manteria o equilíbrio institucional entre os poderes da república, enquanto que a ADPF, pela sistemática dos efeitos da decisão, faz com que o judiciário haja como se legislador fosse, criando efetivamente, uma regra geral e abstrata. Sem contar que, neste caso, a atuação do judiciário não atingiria simplesmente a atuação do legislador ordinário, mas provocaria um rompimento com a própria ordem constitucional, alterando formalmente o texto do § 3º do art. 226. De todo modo, mesmo o mandamus injuntivo não teria espaço constitucional, pelo simples fato de que o texto constitucional aponta para o contrário da pretensão. Ou seja, não é possível superar o limite do texto: levemos o texto (constitucional) a sério.
E note-se que a questão do reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo já vinha sendo discutida judicialmente, existindo decisões de primeira e segunda instâncias sobre o assunto. Também nestes casos houve um nítido excesso do poder judiciário no sentido de romper com o texto da Constituição. Isso é um sintoma daquilo que aqui estamos chamando de "repristinação da jurisprudência dos valores". Ora, a despeito do texto da Constituição propiciar um tecido normativo "fechado" demais, setores do direito pensam que é preciso "abrir" esse sentido da normatividade constitucional com um uso aleatório e descompromissado dos princípios constitucionais. Princípios estes invocados a partir de uma espécie de "anemia significativa", na qual a grande revolução operada pelo neoconstitucionalismo – os princípios representam a inserção do mundo prático no direito – acaba por ser obnubilada por algo que se pode denominar panprincipiologismo. (cf. Lenio Streck, Verdade e Consenso, 3ª. Edição- Lumen Juris, 2009).
O seguinte acórdão, originário do TJRS – com fundamentação similar a outras decisões oriundas do Tribunal Regional Federal da 4ª Região –, bem demonstra essa espécie de retorno (tardio) a uma jurisprudência de valores. Com efeito, enquanto a Constituição do Brasil estabelece que "para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento" (art. 226, § 3º), o Tribunal gaúcho "colmatou" uma "omissão do constituinte" (sic), verbis:
"União estável homoafetiva. Direito sucessório. Analogia. Incontrovertida a convivência duradoura entre parceiros do mesmo sexo, impositivo que seja reconhecida a existência de uma união estável, assegurando ao companheiro sobrevivente a totalidade do acervo hereditário, afastada a declaração de vacância da herança. A omissão do constituinte e do legislador em reconhecer efeitos jurídicos às uniões homoafetivas impõe que a Justiça colmate a lacuna legal fazendo o uso da analogia. O elo afetivo que identifica as entidades familiares impõe seja feita analogia com a união estável, que se encontra devidamente regulamentada" (Revista de Jurisprudência do TJRS, n. 230, pp. 110 e segs.).
Antes de tudo, apenas registremos: é a Constituição (que não pode ser inconstitucional) que diz "união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento"...! O que a lei deve facilitar é a conversão em casamento dessa relação entre homem e mulher...! É por isso que, em um Estado Democrático de Direito, mesmo que sejamos todos a favor de uma causa, é necessário esperar pelo legislador...! Aliás, como bem diz Dworkin, não deve importar ao direito o que os juízes pensam sobre o direito, sobre a política, futebol, etc. Aplicar o direito quer dizer "fazer interpretação com base em argumentos de princípio", e não "por argumentos pessoais", etc. Portanto, quando se pergunta ao judiciário sobre alguma coisa, este não pode responder com argumentos pessoais, políticos, morais, etc. Em uma democracia não se quer saber o que o juiz pensa sobre determinada fenômeno; o que ser quer saber é como se pode alcançar uma resposta a partir do direito. E, definitivamente, o direito não é - e não pode ser - aquilo que o judiciário "diz que é"!
Reafirmando o que já foi mencionado acima: não cabe ao Poder Judiciário "colmatar lacunas" (sic) do constituinte (nem originário e nem derivado). Ao permitir decisões desse jaez, estar-se-á incentivando a que o Judiciário "crie" uma Constituição "paralela" (uma verdadeira "Constituição do B"), estabelecendo, a partir da subjetividade dos juízes, aquilo que "indevidamente" – a critério do intérprete – não constou no pacto constituinte. O constituinte não resolveu? "Chame-se o Judiciário...." Ou "criemos um princípio", que "valerá" mais do que a Constituição.
Ora, é necessário ter coragem para dizer algumas coisas, mesmo que possam parecer "antipáticas" aos olhos da comunidade jurídica. A resolução das querelas relativas às uniões homoafetivas deve ser feita – enquanto não for emendada a Constituição ou elaborada lei ordinária (a exemplo do que ocorreu na Espanha) – no âmbito do direito das obrigações, e não a partir do direito sucessório ou do direito de família. Há limites hermenêuticos para que o Judiciário se transforme em legislador.
Veja-se que um dos argumentos utilizados – ao menos no plano retórico para justificar as referidas decisões – é o de que o Judiciário deve assegurar a união estável (portanto, equiparação ao casamento) de casais homossexuais porque o Legislativo não pretende, a curto prazo, por não dispor de "condições políticas" para tal, elaborar legislação a respeito. Mas, convenhamos, é exatamente esse argumento que se contrapõe à própria tese: em uma democracia representativa, cabe ao Legislativo elaborar as leis (ou emendas constitucionais). O fato de o Judiciário – via justiça constitucional – efetuar "correções" à legislação (filtragem hermenêutico-constitucional e controle stricto sensu de constitucionalidade) não significa que possa, nos casos em que a própria Constituição aponta para outra direção, construir decisões "legiferantes".
Dito de outro modo: a Constituição reconhece união estável entre homem e mulher, mas isso não significa que, por não proibir que essa união estável possa ser feita entre pessoas do mesmo sexo, a própria Constituição possa ser "colmatada", com um argumento kelseniano do tipo "o que não é proibido é permitido" (sic!). Fosse assim e inúmeras não proibições poderiam ser transformadas em permissões: p.ex., a Constituição de 1988 também não proíbe ação direta de inconstitucionalidade de leis municipais face à Constituição Federal (o art. 102, I, "a", refere apenas a possibilidade de argüição que trate de leis federais e estaduais). E nem por isso torna-se possível falar em ADIn contra lei municipal em sede de STF. Veja-se: em nome do "princípio democrático" ou da "república", os munícipes espalhados pelos quatro cantos do Brasil poderiam alegar que "a Constituição originária violou o princípio da isonomia e que a falta de um mecanismo desse quilate viola direitos fundamentais", etc. Ora, nada disso pode ser "colmatado" por um ato voluntarista do Judiciário (veja-se que a ADPF acabou resolvendo o problema – por lei –, ao admitir-se o sindicamento de leis municipais em face da Constituição sempre que não houver outro modo de solucionar a querela; mas, insista-se: foi por via legislativa a alteração do estado da arte). E o que dizer da "discriminação" entre homem e mulher para os casos de aposentadoria? Se homens e mulheres devem ser iguais, por que as mulheres se aposentam mais cedo? Não seria o caso de ingressar com uma ADPF para substituir a expressão homens e mulheres por "indivíduos"? E assim por diante...!
Ainda para exemplificar: a legislação civil trata apenas da alteração do prenome. Isso não significa, entretanto, a partir da máxima "o que não é proibido é permitido", que o Judiciário possa determinar a alteração do apelido de família, na hipótese de alguém se sentir humilhado pelo sobrenome que carrega, alegando, v.g., o princípio da dignidade da pessoa humana. E, registre-se: o princípio da dignidade da pessoa humana não pode ser panacéia para todos os males, mormente de "omissões" (sic) do constituinte: o direito possui um mínimo de objetividade, que é o texto. E em se tratando do texto da Constituição, assume maior relevância a máxima de que "devemos levar o texto a sério". Sem texto não há normas; não há normas sem textos.
Em síntese: não há um lado "b" da Constituição a ser "descoberto" axiologicamente, como se "por debaixo do texto da Constituição existissem valores a serem desvelados pela cognição do intérprete". A resposta adequada para o caso da união estável (homoafetiva) depende de alteração legal-constitucional. Veja-se, v.g., o caso espanhol, em que o problema foi resolvido mediante a edição de lei. Na terra de Cervantes, o Poder Judiciário não se sentiu autorizado a "colmatar" a "inconstitucionalidade da Constituição".
E não se diga – como soi acontecer quando se defende a Constituição e a preservação dos mecanismos democráticos de sua alteração contra as preferências individuais – que isso seria uma espécie de "interpretação literal" da Constituição, ou "interpretação restritiva" ou, ainda, uma espécie de interpretativismo. Nestes casos, parece claro que há uma articulação equivocada do conceito de interpretativismo. Como é cediço, interpretativistas são as posturas teóricas que defendem uma interpretação originalista da Constituição. Na medida em que tais teorias surgem nos Estados Unidos, trata-se de um originalismo com relação à Constituição norte-americana. Sendo mais claro, há uma disputa histórica entre os teóricos norte-americanos – pelo menos desde o clássico artigo de Thomas Grey, que, pela primeira vez, estabeleceu e classificou desse modo a diferença metodológica em relação à interpretação da Constituição (cf. Thomas C. Grey. "Do We Have un Unwritten Constitution?" In: Stanford Law Review, n. 27, 1975, pp. 703 e segs.) – sobre como deve ser encarada, metodicamente, a interpretação da Constituição. Segundo Grey, duas são as posições que se contrapõem: o interpretativismo e o não-interpretativismo. O interpretativismo relaciona-se à postura origininalista segundo a qual os limites de liberdade de conformação do legislador devem se dar nos limites do texto escrito; ou seja, basta a grafia constitucional para que os limites ao processo político sejam determinados e instaurados. Já as posturas não-interpretativistas postulam uma espécie de política constitucional, aproximando-se das idéias defendidas pelo realismo jurídico.
Ora, por certo que, ao defendermos a possibilidade e a necessidade de respostas corretas em direito (cf. Lenio Streck, Verdade e Consenso, op.cit, "respostas adequadas à Constituição"), não é possível nos rotular como interpretativistas (originalistas). Isso por um motivo simples: quando afirmamos tal tese – de que a resposta adequada à Constituição, no caso vertente, passa pelos meios democráticos de decisão (o que, por exemplo, Habermas diria disso?) –, temos por pressuposto que a dicotomia interpretacionismo/não-interpretacionismo está – de há muito – superada e os problemas daí decorrentes já tenham sido sanados. Isto porque, quando em Law’s Empire Ronald Dworkin enfrenta o aguilhão semântico e o problema do pragmatismo, há uma inevitável superação das teses clássicas sobre a interpretação da Constituição Americana.
Ou seja, o problema da resposta adequada à Constituição e não a um conjunto de valores – sic – que ninguém sabe bem o que é, não se resume à identificação da sentença judicial com o texto da lei ou da Constituição. Se pensássemos assim, estaríamos ainda presos aos dilemas das posturas semânticas. Quando se fala nesse assunto há uma série de acontecimentos que atravessam o direito que ultrapassam o mero problema da "literalidade do texto".
Por isso, é preciso evitar a seguinte confusão: quando asseveramos que os limites semânticos do texto devem ser respeitados (minimamente), como no caso do problema envolvendo a união de pessoas do mesmo sexo, não se pode concluir de nossa abordagem um inexplicável viés de contenção judicial em benefício de uma estrita exegese, de acordo com a literalidade da norma. Longe disso! Não é possível imaginar que estamos aqui a pregar uma modalidade de laissez-faire hermenêutico. É preciso insistir: dizer que o sentido não está à disposição do intérprete é diferente de dizer que há uma "exegese de estrita literalidade".
Como nota final – e que isso fique bem claro – voltamos a lembrar os leitores que não somos contrários à regulamentação da união homoafetiva. Desde já, colocamo-nos à disposição para a discussão no plano da elaboração legislativa (por lei ou por emenda constitucional). Entendemos, tal qual entende a Procuradoria Geral da República, que a regulamentação é necessária para proteção dos direitos pessoais e patrimoniais dos homossexuais que vivem como consortes. Porém, pelos motivos amplamente expostos acima, estamos convictos que não é através do exercício de um ativismo judicial que essa regulamentação deve ser levada a efeito. Em nome do direito não podemos fragilizar o direito. Não se pode confundir a jurisdição constitucional, absolutamente necessária para concretizar direitos previstos na Constituição, com um apelo indevido à jurisdição para que atue nas hipóteses que não estão previstas na Constituição (aliás, no caso, a Constituição aponta para outro sentido).
Temos uma Constituição que é o Alfa e o Ômega da ordem jurídica democrática. Uma Constituição dirigente e compromissória. Viver em uma democracia tem seus custos. Neste caso um custo básico: os pré-compromissos constitucionais só podem ser liberados por aqueles que a própria Constituição determina (o poder constituinte derivado). Se tudo o que não está previsto na Constituição pode ser "realizado" pelo Poder Judiciário, não precisaríamos sequer ter feito a Constituição: o Judiciário faria melhor (ou o Ministério Público!) A propósito: se a tese da referida ADPF vingar, há uma série de reivindicações que devem desde já ser encaminhadas ao Poder Judiciário (e que possuem amplo apoio popular...!). Precisamos enumerá-las?
Em suma: propugnando sempre pela preservação do grau de autonomia atingido pelo direito e na democracia, pensamos que melhor mesmo é confiar na Constituição e na forma que ela mesma impõe para a sua alteração e à formulação de leis. Afinal, duzentos anos de constitucionalismo deveria nos ensinar o preço da regra contramajoritária. Ulisses no comando do seu barco sabia do perigo do canto das sereias...! Ah, os fatos sociais...; nada mais, nada menos, que o retorno ao velho positivismo fático; enfim, em pleno Estado Democrático de Direito, a volta ao velho "realismo jurídico".
E, numa palavra final: quando a Constituição não diz o que gente quer, não dá "alterá-la" ou "esticá-la" a partir de princípios construídos ad hoc. Não se altera a Constituição por intermédio de ativismos judiciais. Quem sabe deixemos isso ao parlamento? Ou isso, ou entreguemos tudo às demandas judiciais! Mas, depois, não nos queixemos do "excesso de judicialização" ou de "ativismos"...! Isso as vezes é "bom"; as vezes é "ruim"...!


Sobre os autores: http://blogwilliamdouglas.blogspot.com/search?updated-max=2011-05-13T14%3A43%3A00-03%3A00&max-results=3
Procurador de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Doutor em Direito. Doutor em Direito pela UFSC. Pós-Doutor em Direito Constitucional pela Universidade de Lisboa. Professor da Unisinos. Professor da Universidade de Coimbra (Portugal). Autor de 20 livros e de 85 artigos. Conferencista nacional e internacional.
Livre Docente pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ). Professor Universitário.
Mestre em Direito Público pela Unisinos. Doutorando em Direito Público pela Unisinos. Bolsista do CNPq. Professor universitário.

CURSO. AASP. PRESENCIAL E INTERNET. DANO MORAL.‏

ASPECTOS MATERIAIS E PROCESSUAIS DO DANO MORAL.
 
Coordenação
Dr. Daniel Amorim Assumpção Neves
Horário
19 h
Carga Horária
4
Programa
 
AULAS VIA INTERNET
Sistema de transmissão 'ao vivo' via Internet, sendo possível a remessa de indagações ao palestrante durante a exposição.
 
27/6 - segunda-feira
Dano moral: aspectos processuais.
Dr. Daniel Amorim Assumpção Neves
 
28/6 - terça-feira
Dano moral: aspectos materiais.
Dr. Flávio Tartuce
 

Taxas de Inscrição
Associado: R$ 50,00
Estudante de graduação: R$ 60,00
Não associado: R$ 80,00
 
Informações: www.aasp.org.br.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

“Opinião pública não pode pautar o Supremo”

Luiz Fux - Spacca - Spacca
O ministro Luiz Fux chegou ao Supremo Tribunal Federal com uma atitude diferente da maioria daqueles que sonham com a cadeira da mais alta Corte de Justiça do país. Em regra, os candidatos submergem e não comentam a possibilidade ou a vontade de ascender ao STF. Quanto menos pessoas souberem da intenção, melhor. O que importa é falar com quem tem poder de decisão.
Já Luiz Fux sempre declarou em alto e bom som, para quem quisesse ouvir, que seu objetivo era chegar ao Supremo. “Eu me preparei a vida inteira para chegar à Corte”, repetiu à exaustão depois de sua nomeação pela presidente da República, Dilma Rousseff, em fevereiro passado. Antes disso, não escondia a luta para ser escolhido. “Não tive medo de, se não fosse indicado, passar por uma pessoa frustrada que não conseguiu. De qualquer maneira, teria tentado”, afirma.
Há três meses no tribunal ao qual chegou depois de 28 anos de magistratura, o ministro caçula teve de enfrentar matérias para decano nenhum botar defeito. Sentiu o peso da toga no STF apenas 15 dias depois de sua posse, ao dar o voto de minerva que impediu a aplicação da Lei da Ficha Limpa nas eleições de 2010. Depois disso, uma bateria de discussões complexas: união homoafetiva, vaga de suplente na Câmara dos Deputados, extradição de Cesare Battisti e legalidade da marcha da maconha.
Em entrevista concedida à revista Consultor Jurídico em seu gabinete no Supremo, o ministro brinca com o fato: “Embora eu tenha dito que me preparei a vida inteira para julgar, não imaginei que a cada semana teria de estar preparado para dar um murro em ponta de faca. Estou ficando com a mão estragada”.
O ministro demonstra especial preocupação com a legitimidade social das decisões judiciais e com sua compreensão pela população. Para ele, as decisões têm de estar próximas "da ética que a sociedade espera delas". Isso não significa, contudo, que o Supremo possa ser pautado pela opinião pública. "Muitas vezes, é necessário defender a sociedade dela própria", diz.
Antes de tomar posse em 3 de março, ainda como ministro do Superior Tribunal de Justiça, Fux presidiu a Comissão de Reforma do Código de Processo Civil do Senado, da qual nasceu o projeto que, segundo ele, possibilitará ao país cumprir o comando constitucional que determina que os processos têm de ter duração razoável. Segundo o ministro, os novos instrumentos permitirão a redução de, no mínimo, 50% do tempo de tramitação das ações judiciais.
Reconhecido processualista, Luiz Fux vê com reservas a PEC dos Recursos, apresentada pelo presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso. Pela proposta, as decisões se tornam definitivas e são executadas depois do julgamento em segunda instância, e os recursos ao Superior Tribunal de Justiça e ao STF ganham caráter de ações rescisórias.
Para Fux, o problema da morosidade da Justiça pode ser resolvido de outras maneiras, sem restringir os recursos aos tribunais superiores. “Valeria a pena o Supremo Tribunal Federal, com o seu colegiado completo, se manifestar sobre isso. Minha preocupação é que essa emenda venha a ser aferida pelo próprio Supremo Tribunal Federal, tendo partido do presidente da Corte. É uma questão muito delicada”, afirmou.
O ministro faz referência ao possível constrangimento de o Supremo ter de declarar inconstitucional, se consultado, uma proposta que partiu do presidente da Corte. O ministro Marco Aurélio, por exemplo, já se declarou contrário à proposta.
Na entrevista, Luiz Fux comentou os principais julgamentos dos quais participou, falou sobre as discussões acaloradas entre os ministros nos casos mais polêmicos e sobre sua concepção de qual deve ser o papel do Supremo Tribunal Federal. Discorreu, também sobre o conflito que se instaura entre o Poder Judiciário e os demais poderes quando decisões judiciais interferem em questões políticas do Legislativo e do Executivo. Apesar de reconhecer a reserva política em determinados assuntos, se revela um ativista ponderado.
“Existe um instrumento chamado telefone, que os poderes usam pouco, mas que daria muito resultado. O telefone resolve muita coisa. Ao invés de expedir um ato e criar uma crise institucional, conversar para encontrar uma solução razoável é o melhor caminho”, ensina.
Leia a entrevista:
ConJur — Os holofotes no Supremo são mais fortes do que no STJ?
Luiz Fux No Supremo há mais visibilidade, por algumas razões. O número menor de ministros e a envergadura dos temas tratados são duas delas. A divulgação das decisões pela imprensa também é maior, em razão da popularidade das questões debatidas.
ConJur — O fato de as sessões serem transmitidas ao vivo pela TV Justiça faz diferença?Luiz Fux Faz diferença na divulgação, mas não no modo de os ministros se comportarem. Hoje eu entendo perfeitamente como os participantes de reality shows se comportam daquela maneira tão desprendida. Nestes três meses, nunca entrei naquele plenário com a idéia de que a sessão estava sendo transmitida pela televisão. Não sei nem mesmo onde ficam as câmeras que captam as imagens.
ConJur — Mas o senhor sentiu uma exposição maior nas ruas?
Luiz Fux Sim. Há um assédio maior de pessoas, que perguntam por que você votou em um sentido ou no outro. Eu já tive que explicar um dos meus votos em uma banca de jornal.
ConJur — Sobre que caso?
Luiz Fux No caso Battisti. Eu expliquei que o julgamento se restringia a discutir o poder do presidente da República de decidir sobre a entrega ou não do extraditando. Não estava em jogo a avaliação do processo criminal do Battisti, porque o Brasil não pode reavaliar as provas. Expliquei didaticamente o que era possível fazer no caso, para a dona da banca de jornal.
ConJur — O senhor achou o clima da sessão muito tenso?
Luiz Fux Não é que o clima estava tenso. Havia, isso sim, a preocupação de se transmitir com fidelidade o que estava em julgamento. Porque é muito ruim quando a notícia transmitida não retrata o tema que é objeto de discussão. Eu cheguei ao Supremo para decidir uma questão residual: se o presidente deveria ou não entregar o Battisti. Isso levando em consideração que havia um acórdão em que os ministros decidiram, por cinco a quatro, que a decisão da entrega ficava sujeita ao poder discricionário do presidente, na forma do tratado. O que, em principio, é uma contradição.
ConJur — Por quê?
Luiz Fux Porque não precisava nem dizer isso. É o óbvio ululante. Além disso, doutrinariamente, vários pareceres nesse sentido foram produzidos por juristas de renome, como Celso Antônio Bandeira de Mello, Dalmo Dallari, e outros. Tratava-se de um ato político do presidente, um ato de soberania. Quem firma os tratados é o presidente da República. Ele que arca também com as conseqüências eventuais de ter descumprido um tratado internacional. Para uma Corte Suprema, é muito mais importante não desprestigiar o chefe de sua nação perante o cenário internacional do que saber se foi ou não cumprido o tratado, muito embora tenha sido.
ConJur — O presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso, já propôs que se façam reuniões informais antes de julgamentos polêmicos para evitar discussões muito calorosas e a exposição da Corte. O senhor acha uma boa idéia?
Luiz Fux Essa é uma boa discussão acadêmica, inclusive. A deliberação antecedente é comum no Direito europeu. Acho que seria bom debater antes, ainda que na sessão a matéria passe por um novo debate. Gosto muito de uma frase do professor Eduardo Couture, grande jurista uruguaio que morava em Rivera, na fronteira do Brasil com o Uruguai. Ele frequentava muito as escolas brasileiras e assistia a julgamentos aqui. E dizia que, no Brasil, um julgador se enamora de uma tese, o outro de outra tese, e discutem com grande cultura e estupidez. Ele achava aquilo sui generis. Muitas vezes, juízes se enamoram de teses e discutem até perdendo um pouco da urbanidade que deve marcar essas discussões.
ConJur — Mas o senhor acredita que é possível esfriar os debates com as reuniões prévias?
Luiz Fux Sim. E a reunião não viola qualquer dispositivo porque depois os fundamentos serão divulgados às claras. É importante sentar à mesa e falar: “Eu não vou acolher essa tese. A minha tese é essa”. Mesmo no caso Battisti, teria sido interessante se sentássemos à mesa para esclarecer. “Eu acho que isso é um ato de soberania”. “Eu acho que não”. Tudo bem. Em plenário, eu exponho meu ponto de vista e os outros ministros os deles. Isso evitaria aquela manifestação surpreendente, que às vezes suscita uma vaidade doutrinária. Até porque o que os componentes do colegiado fazem é contraditar a opinião do colega no afã de tentar fazer com que o outro mude de opinião. Mas isso é raríssimo. Todos vêm preparados, com seus pontos de vista jurídicos já firmados. O colegiado serve para se aprender a conviver com as diferenças. Não me sinto nem um pouco arranhado se eventualmente tiver um ponto de vista que não for sufragado pela maioria. Isso é indiferente.
ConJur — O senhor é favorável à PEC dos Recursos, que o presidente Peluso vem defendendo?Luiz Fux No que diz respeito à criação do instituto jurídico, é preciso lembrar que os recursos extraordinários do sistema europeu pressupõem o trânsito em julgado das decisões. Então, já existe um sistema com essa feição no Direito internacional. Mas no Direito brasileiro não há essa vocação. Eu vejo uma grande resistência no meio jurídico, entre os advogados, acadêmicos e até de alguns colegas aqui no Supremo Tribunal Federal.
ConJur — O ministro Marco Aurélio já se manifestou claramente em sentido contrário à PEC...
Luiz Fux E há outros ministros que se forem consultados também se manifestarão, principalmente porque não tiveram a oportunidade de opinar sobre isso. Minha preocupação é que essa emenda venha a ser aferida pelo próprio Supremo Tribunal Federal, tendo partido do presidente da Corte. Essa é uma questão muito delicada. Acho que valeria a pena o Supremo Tribunal Federal, com o seu colegiado completo, se manifestar sobre isso. Eu fiz isso com o projeto de reforma do Código de Processo Civil. Trouxe o texto para o tribunal. E a proposta do Código é boa porque privilegia a decisão do tribunal de apelação, retira dos recursos o efeito suspensivo. Na prática, as decisões podem ser executadas imediatamente. Embora a decisão possa ser modificada, a execução corre por conta e risco do vencedor. Se o vencedor quiser, faz valer a decisão imediatamente. Depois se ela for reformada, o que não é o mais comum, ele terá de repor as coisas ao estado anterior.
ConJur — E os riscos de que se cometam injustiças na esfera penal?
Luiz Fux Se o objetivo da PEC é tentar resolver a questão criminal, de se considerar transitado em julgado e terminar com a presunção de inocência constitucional, acho que é um tiro de canhão para matar uma mosca. Isso pode se resolver de outra forma, não através da restrição dos recursos aos tribunais superiores.
ConJur — Uma crítica comum entre os advogados é a de que o Supremo e o STJ reformam com freqüência decisões absurdas de tribunais. Já houve casos em que o tribunal local determinou o levantamento de quantias milionárias, que dificilmente seriam repostas, e o STJ barrou o levantamento. A crítica é razoável?
Luiz Fux Casuisticamente isso pode ocorrer. Mas é preciso afirmar, à luz da experiência concreta, que isso não acontece com freqüência. O Supremo e o STJ não reformam com constância decisões teratológicas. Reformam decisões por conta de entendimentos jurídicos diferentes, mas não por teratologia. A regra não é essa.
ConJur — Na prática, na esfera penal, não pode acontecer de os recursos serem substituídos por pedidos de Habeas Corpus? Já que o recurso pela via normal não impede a execução da decisão, a parte usaria o Habeas Corpus para barrar a execução.
Luiz Fux Pode ocorrer, realmente. Hoje já há essa utilização, até porque o Supremo tem jurisprudência do sentido do cabimento do Habeas Corpus contra decisão transitada em julgado. Então, o mesmo fenômeno que ocorre na esfera cível com a utilização generalizada do Mandado de Segurança, eventualmente pode ocorrer também com o Habeas Corpus na parte criminal.
ConJur — Qual é o peso de ser o ministro caçula da Corte e ter de votar sempre depois do relator?
Luiz Fux O Supremo é único tribunal que funciona assim. Embora eu tenha dito que me preparei a vida inteira para julgar, e isso significa estar preparado para enfrentar os temas independentemente da ordem de votação, não imaginei que a cada semana teria de estar preparado para dar um murro em ponta de faca. Estou ficando com a mão estragada (risos)!
ConJur — Em três meses, o senhor pegou muitos temas complexos, como Ficha Limpa, união homoafetiva, vaga de suplente na Câmara, extradição do Cesare Battisti, marcha da maconha...
Luiz Fux E sempre o primeiro a votar depois do relator. Mas, por outro lado, é um desafio muito estimulante. Nunca trabalhei tanto na vida, mas também nunca fui tão feliz no trabalho. O desafio de ser o primeiro a votar depois do relator me seduz porque eu tenho que estudar todos os processos da pauta, já que nem sempre sabemos quais serão chamados. Se a ordem fosse outra, eu descansaria um pouco esperando o voto dos mais experientes para conhecer bem o debate e acompanhá-los ou divergir. Mas esse desafio é altamente estimulante.
ConJur — O ministro Marco Aurélio já chegou a propor a mudança no sistema de votação, para que o Supremo adotasse o esquema do STJ, de seguir a ordem decrescente de antiguidade. O senhor seria favorável?
Luiz Fux Falando em causa própria, acho o atual sistema interessantíssimo. Porque o mais novo se estimula a contribuir para a Corte, se aperfeiçoa, traz novos valores, traz certo arejamento ao debate. O Supremo é um tribunal de jurisprudência. Então, se não se trouxer o valor novo, aquela jurisprudência fará com que o tribunal vire um museu de princípios. E a Corte tem que estar em constate evolução.
ConJur — Tem de seguir a evolução social?Luiz Fux Sim. Nos últimos tempos, o Supremo Tribunal Federal tem sido instado a decidir coisas que não decidia antigamente. Depois da Constituição de 1988, a atividade do Supremo tem sido muito mais de ponderação de valores do que de aplicação do direito ao caso concreto. O papel tem sido de prestar justiça para que a decisão tenha legitimidade social, que esteja aproximada da ética que a sociedade espera das decisões judiciais. Sem que, evidentemente, a opinião pública possa pautar o Supremo.
ConJur — Até porque o papel da Corte é contramajoritário por essência, certo?
Luiz Fux Exatamente. Não é um lado humanamente confortável esse de ser contramajoritário. Mas, muitas vezes, é necessário defender a sociedade dela própria. O que houve, por exemplo, no julgamento da Lei da Ficha Limpa? Nós evitamos que se abrisse um precedente no qual a maioria pudesse eventualmente, na própria legislatura, impedir que outra classe de políticos ingressasse ao Parlamento. Se permitirmos que se modifiquem as regras do jogo no meio do jogo, não haverá mais regras. Nossa preocupação era com o precedente criado. O que estava em jogo era o princípio da anterioridade eleitoral. Qualquer regra que altere o processo eleitoral tem de ser criada, no mínimo, um ano antes das eleições. A finalidade é evitar casuísmos. Foi um confronto entre o princípio da moralidade, teoricamente considerado, e uma regra constitucional explícita.
ConJur — Como o senhor vê o volume de processos submetidos aos Supremo? É necessário criar outros mecanismos de filtros processuais além da repercussão geral ou rever algumas competências?
Luiz Fux O volume é muito grande. No STJ, eu já estava acostumado com o volume, mas o Supremo Tribunal Federal acresce ao volume a complexidade das questões tratadas. Particularmente, não tenho condescendência com a competência criminal para o julgamento de Habeas Corpus. O Supremo revê decisões criminais em Habeas Corpus que não teria o menor sentido de passar por aqui. Dias atrás, por exemplo, nós julgamos um caso em que a pessoa foi condenada porque furtou duas barras de chocolates e uma pasta de dente. Não faz sentido. Ou então, em grau de Habeas Corpus, depois do pronunciamento de um juiz de primeiro grau, de um tribunal de apelação, do Superior Tribunal de Justiça, nós revermos a dosimetria da pena. Esse não é o papel de uma Suprema Corte. Se nós abandonássemos essa competência ganharíamos tempo para o debate de outras questões de repercussão realmente geral.
ConJur — Há mecanismos de filtros processuais no projeto do novo Código de Processo Civil?
Luiz FuxSim. Um exemplo é o incidente de resolução de demandas competitivas, que tanto pode competir ao Supremo Tribunal Federal, como ao Superior Tribunal de Justiça. Ele vai exercer um papel muito relevante em relação ao contencioso de massa. Por exemplo, se temos um milhão de ações sobre índices de correção de caderneta de poupança, no momento que o STJ ou o Supremo resolverem a tese que embasa esses processos, solucionará de uma vez todos eles. O que nós não podíamos criar no novo Código, e não criamos, era um instrumento que vetasse o acesso à Justiça. Todos têm acesso, mas quando as ações veiculam teses idênticas, têm de ter tratamento uniforme. Se as pessoas são iguais perante a lei, elas têm que ser iguais perante a Justiça.
ConJur — Esse incidente é igual ao rito criado pela Lei de Recursos Repetitivos do STJ?
Luiz Fux Ele é até mais célere. Porque o contencioso de massa tem previsão de duração de um ano e meio. Então, esses milhares ou milhões de ações vão ser resolvidos em um ano e meio. Isso reduzirá em 70% a duração de processos de massa que abarrotam os tribunais.
ConJur — Como será feita a identificação das ações repetitivas?
Luiz Fux Em princípio, quem identifica é o tribunal local e avisa ao Conselho Nacional de Justiça, que terá um cadastro de ações repetitivas. Cada tribunal resolve a demanda repetitiva no âmbito da sua competência, porque não se pode admitir que um juiz do Rio mande suspender ações no Piauí ou em São Paulo. Então, o tribunal, em primeiro lugar, verifica se essas demandas são repetitivas e manda paralisar todas as demandas que versem sobre aquela questão jurídica. E informa imediatamente o Conselho Nacional de Justiça. Se essas demandas se repetirem, como se espera, em todo o Brasil, o Superior Tribunal de Justiça ou o Supremo, dependendo do fundamento delas, determina que se paralisem todas as ações até que uma delas ou um grupo seja julgado por todas as instâncias. E a decisão final será absorvida por todas as ações individuais.
ConJur — Há um número de corte? Por exemplo, quantos processos são necessários para dizer que aquela demanda é repetitiva?
Luiz FuxA regra não se aplica apenas para contenciosos muito expressivos. Pode ser aplicada, por exemplo, em uma discussão sobre se postos de gasolina podem vender medicamentos que não necessitam de receita médica. Se um posto puder vender, todos os postos poderão. Isso também pode ser resolvido por meio do incidente de resolução de demanda repetitiva, no prazo de um ano e meio. A economia de tempo é fantástica. Por outro lado, o Código elimina muitas formalidades em ações que não veiculam teses repetitivas, como na dissolução de uma sociedade, no litígio entre acionistas ou na cobrança de um crédito individual. A eliminação das formalidades vai fazer com que esses processos tenham reduzida a sua duração em 50% do tempo. O novo Código é um instrumento que vai permitir o cumprimento da promessa constitucional da duração razoável dos processos.
ConJur — O senhor acha viável adotar o critério de relevância para o STJ, a exemplo da repercussão geral do Supremo?
Luiz Fux Sim. Não se justifica um tribunal superior, que tem como matéria prima 13 mil leis federais, ter um acervo de 250 mil processos. Recentemente, participamos de um evento com tribunais superiores do mundo inteiro. Estes tribunais têm, no máximo, três mil processos para julgar por ano. E eles julgam tudo que entra no mesmo ano. No atual ritmo, o Superior Tribunal de Justiça vai virar séculos sem conseguir julgar o que precisa.
ConJur — Advogados dizem que um dos motivos para o grande número de recursos são decisões de primeira e segunda instância que não respeitam a jurisprudência dos tribunais superiores e do Supremo. O senhor apregoa a tese do pós-positivismo. Ou seja, de que é preciso decidir com base na força dos princípios, não de acordo com a letra da lei. Isso não pode passar um cheque em branco aos juízes?
Luiz Fux Não. A solução disso passa pelo critério da razoabilidade. Todo conceito juridicamente indeterminado precisa perpassar pelo critério da razoabilidade. Nós, juízes, até podemos não saber conceituar o que é razoável, mas nós sabemos aquilo que não é razoável. Veja, por exemplo, a decisão tomada pelo Supremo no caso Battisti. Uma corrente defendeu que o presidente da República está obrigado a cumprir a decisão da extradição. Outra, à qual me filiei e que formou a maioria, decidiu que é o presidente que mantém relações internacionais com outros países e ele é quem deve arcar com as conseqüências de entregar ou não o extraditando. Mas a decisão é dele. As duas posições são sustentáveis pela doutrina e passaram pelo crivo do critério de razoabilidade. Houve uma ponderação de princípios. E, observe, mesmo em um caso emblemático, a solução chegou a um resultado possível de ser entendido por um homem médio. O mesmo aconteceu no caso da união homoafetiva. Temos uma Constituição Federal que garante uma sociedade que convive bem com as diferenças, que garante a liberdade religiosa e a liberdade sexual. Pode se dizer que a decisão não passou pelo critério da razoabilidade? Não!
ConJur — Um das maiores críticas à decisão da relação homoafetiva foi a de que o Supremo passou a ser legislador positivo. Ou seja, reescreveu a Constituição. O que o senhor responde a essa crítica?
Luiz Fux Não agimos como legisladores positivos. O tribunal deu uma interpretação ao artigo do Código Civil conforme a Constituição. Demos o mesmo tratamento de união estável entre casais convencionais para as uniões homoafetivas em razão de uma franquia constitucional de que não há discriminação por causa da orientação sexual.
ConJur — O senhor é favorável ao controle prévio de constitucionalidade das leis?
Luiz Fux Muitas democracias consolidadas adotam o controle prévio. A França é um exemplo. Acho uma ideia saudável para evitar que haja uma declaração de inconstitucionalidade tempos depois, com efeitos para trás, desorganizando vidas, empresas e o próprio Estado. Por exemplo, o Estado cobra um tributo que, tempos depois, é declarado inconstitucional. Não terá como devolver os valores porque ele já satisfez necessidades coletivas com aquele dinheiro. Há casos de empresas que, com base em liminares, deixam de pagar tributos. Mais tarde, é confirmada a constitucionalidade daquela cobrança. A empresa não terá provisão para pagar aquela diferença. O controle prévio evitaria surpresas, daria mais segurança jurídica às relações. E o Judiciário, como sempre, só se manifestaria se provocado. Não tomaria o lugar do Legislativo.
ConJur — Quais os limites da atuação do Supremo na esfera política?
Luiz Fux Eu já tive a oportunidade de afirmar, aqui no Supremo, que o princípio da inafastabilidade da jurisdição tem que respeitar alguns casos em que há uma reserva política. Por exemplo, nós não podemos interferir na votação de uma lei a pretexto de ela ser boa ou ruim para o país, porque isso é uma opção política do Poder Legislativo. Nós não podemos nos imiscuir em um veto do presidente da República, porque esse poder é discricionário. A judicialização das questões políticas só ocorre quando o Judiciário é provocado e nas hipóteses em que há uma lesão de direito por trás da questão política. O Supremo já concedeu Mandado de Segurança para um parlamentar que alegou que o processo legislativo estava sendo levado a efeito com descumprimento das regras constitucionais. Neste caso, há uma lesão de direito. Então, para se judicializar uma questão política é necessário que esteja caracterizado o desrespeito à ordem jurídica. Só nestes casos é que o Judiciário interfere. Na verdade, nem acho que essa seja a melhor postura.
ConJur — Não?
Luiz Fux Há exemplos na África do Sul, na Bolívia, na Venezuela, em que há uma judicialização das questões políticas onde há dois interesses contrapostos sempre em jogo: a reserva do possível do Estado e o direito ao mínimo existencial. Então, há casos em que políticas públicas são determinadas pela Corte Suprema. Na África do Sul, por exemplo, se determinou a construção de casas para garantir o direito à moradia de determinada comunidade. Essa é uma tendência futura porque nós estamos na guarda da Constituição Federal. O Supremo tem de julgar de acordo com a promessa constitucional feita à nação. Por que uma portaria do Banco Central ou uma recomendação do INSS entra em vigor imediatamente e uma determinação da Constituição, muitas vezes, leva anos para ser cumprida?
ConJur — O que se alega é que algumas normas são programáticas. Ou seja, dependem de outros fatores, de regulamentação...
Luiz Fux Muitas vezes a regra constitucional tem normatividade suficiente. Tem o sujeito do direito, os deveres e tem o objeto da prestação. Por exemplo, a Constituição diz que a saúde é um dever do Estado e um direito de todos. O que se precisa mais, além dessa frase, para garantir o direito à saúde? Se é um direito de todos e um dever do Estado, tudo que se encarte dentro dessa relação jurídica eu posso pleitear em juízo. Basta que eu provoque o Judiciário para que ele faça valer aquele direito. O Judiciário deve impor-se limites quando não há lesão de direito ou quando há uma reserva política que deve ser respeitada em nome da harmonia e independência entre os três poderes. Mas, em regra, o Judiciário só interfere em outro poder quando há uma situação de lesão e há a provocação, até porque não age de ofício, diferentemente do Legislativo e do Executivo.
ConJur — E se, diante da determinação judicial, o Estado não tiver, efetivamente, dinheiro para cumpri-la?
Luiz Fux Por isso eu digo que toda decisão judicial tem que perpassar pelo fio da razoabilidade. Para evitar medidas que sejam absolutamente incompatíveis com a realidade prática. Por mais justo que seja o pleito, nenhum juiz deve proferir uma decisão capaz de quebrar financeiramente uma unidade da federação. É preciso que haja o bom senso de saber que aquela decisão não é factível, que não tem possibilidade de se realizar. Existe um instrumento chamado telefone, que os poderes usam pouco, mas que daria muito resultado. O telefone resolve muita coisa. Ao invés de expedir um ato e criar uma crise institucional, conversar para encontrar uma solução razoável é o melhor caminho. O diálogo entre as instituições é fundamental.
ConJur — Mais telefone e menos caneta?
Luiz Fux Isso. Eu fiz uma palestra recentemente no Ceará, em que um juiz tinha como praxe ligar para as partes para marcar a audiência de conciliação. As partes já se sentiam valorizadas e já iam para a audiência mais abertas para fechar um acordo. Ele conseguia muitos acordos. A Justiça tem de estar mais próxima da sociedade, até para explicar as decisões que ela não entende. Por isso sempre defendi a ideia de os tribunais terem um porta-voz para explicar bem aquilo que está sendo decidido e evitar que haja má compreensão das decisões. Porque em um país onde as pessoas não acreditam na Justiça as conseqüências são desastrosas. Uma das minhas maiores preocupações é que o Judiciário seja mal compreendido e, automaticamente, desprestigiado pela população.
ConJur — Como o senhor vê a cobertura da imprensa sobre o Poder Judiciário?
Luiz Fux É uma cobertura bastante vigilante, que prestigia o Poder Judiciário porque difunde seu trabalho. Como toda atividade humana, às vezes tem falhas ao noticiar o resultado de determinados processos de maneira um pouco equivocada. Repito: não haveria equívocos se os magistrados pudessem explicar suas decisões através de um porta-voz. Por exemplo, na discussão sobre a marcha da maconha. O Supremo concluiu que a marcha da maconha é uma manifestação da liberdade de expressão. Meu receio era passar a ideia de que o Supremo aprova a legalização da maconha. Não é isso porque esse fato não estava em discussão. O Supremo considerar válida a marcha como meio de tentar conscientizar o povo de que é preciso descriminalizar o uso da maconha é uma coisa. Isso é garantir a liberdade de expressão. Se o uso deve ser descriminalizado, é outra discussão. É neste ponto que reside minha preocupação. O tribunal, com o auxílio da imprensa, tem de passar para a sociedade com fidelidade o teor de suas decisões.

Juiz anula contrato de união estável entre homossexuais‏

O juiz da 1º Vara da Fazenda Pública de Goiânia, Jeronymo Pedro Villas Boas, determinou nesta sexta-feira (18), de ofício, a anulação do primeiro contrato de união estável entre homossexuais firmado em Goiás, após decisão do Supremo Tribunal Federal de reconhecer a união entre casais do mesmo sexo como entidade familiar.
Para Villas Boas, o Supremo “alterou” a Constituição, que, segundo ele, aponta apenas a união entre homem e mulher como núcleo familiar. “Na minha compreensão, o Supremo mudou a Constituição. Apenas o Congresso tem competência para isso. O Brasil reconhece como núcleo familiar homem e mulher”, afirmou ao G1. O magistrado analisou o caso de ofício por entender que se trata de assunto de ordem pública.
Além de decidir pela perda da validade do documento, Villas Boas determinou a todos os cartórios de Goiânia que se abstenham de realizar qualquer contrato de união entre pessoas do mesmo sexo. De acordo com o magistrado, os cartórios só podem providenciar a escritura se houver decisão judicial que reconheça expressamente o relacionamento do casal.
O contrato anulado pelo juiz é o que atesta a união estável entre o estudante Odílio Torres e o jornalista Leo Mendes, celebrado no dia 9 de maio. O G1 deixou recado no celular de Mendes e aguarda retorno.

Na decisão, Villas Boas argumentou que é preciso garantir direitos iguais a todos, independentemente “de seu comportamento sexual privado”, mas desde que haja o “cumprimento daquilo que é ordenado pelas leis constitucionais.”
O magistrado afirmou ainda que o conceito de igualdade previsto na legislação brasileira estabelece que os cidadãos se dividem quanto ao sexo como “homens e mulheres, que são iguais em direitos e obrigações."
“A idéia de um terceiro sexo [decorrente do comportamento social ou cultural do indivíduo ], portanto, quando confrontada com a realidade natural e perante a Constituição Material da Sociedade (Constituição da Comunidade Política) não passa de uma ficção jurídica, incompatível com o que se encontra sistematizado no Ordenamento Jurídico Constitucional”, disse o juiz na decisão.
Em entrevista por telefone, Villas Boas afirmou que a decisão do Supremo está fora do “contexto social” brasileiro. De acordo com ele, o país ainda não vê com "naturalidade" a união homoafetiva.
“O Supremo está fora do contexto social, porque o que vemos na sociedade não é aceitação desse tipo de comportamento. Embora eu não discrimine, não há na minha formação qualquer sentimento de discriminação, ainda demandará tempo para isso se tornar norma e valor social”, afirmou.