terça-feira, 17 de abril de 2012

Reforma do CP: audiência pública sobre crimes contra a vida


27/02/2012 - 10:25
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LUIZ FLÁVIO GOMES (@professorLFG)*
Por iniciativa do Senador Pedro Taques (PDT-MT) o Senado Federal constituiu uma Comissão de Juristas para apresentação de um projeto de reforma da legislação penal brasileira. A presidência da Comissão é do Ministro Gilson Dipp, tendo a participação do Relator-Geral, Procurador Regional da República, Luiz Carlos Dos Santos Gonçalves, da Assessora da presidência, Salise Sanchotene e a presença dos demais integrantes, na seguinte ordem: Subcomissão da Parte Geral: José Muiños Piñeiro Filho,Emanuel Messias Oliveira Cacho, Marcelo André de Azevedo e René Ariel Dotti; Subcomissão da Parte Especial: Luiza Nagib Eluf, Técio Lins e Silva, Juliana Garcia Belloque, Luiz Flávio Gomes e Antônio Nabor Areias Bulhões; Subcomissão da legislação extravagante: Tiago Ivo Odon, Luiz Gonçalves, Marcelo Leal de Oliveira, Marcelo Leonardo e Gamil Föppel El Heriche.
Até o momento já aconteceram várias reuniões de trabalho, de todas as Sub-Comissões. No mês de março faremos as primeiras grandes reuniões, envolvendo todas essas sub-comissões, prevendo-se a entrega das propostas para o mês de maio de 2012. A partir daí o projeto vai tramitar no Senado Federal. Quando aprovado, vai para a Câmara dos Deputados.
No dia 24.02.12, no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, realizou-se audiência pública sobre os crimes contra a vida. Quase 100 pessoas e entidades se manifestaram e foram debatidos temas como eutanásia, ortotanásia, aborto anencefálico, aborto até a 12ª semana, homicídio no trânsito decorrente de embriaguez ao volante, homicídio em razão da violência de gênero, homicídio em razão de homofobia etc.
De acordo com nossa opinião a reforma do CP é absolutamente necessária, visto que se trata de um código de 1940, quando o Brasil era um país agrário. Mas somente a reforma do CP não é a solução, porque a lei, isolada, não muda a realidade.
O aprimoramento do sistema penal brasileiro, que tem sido remendado frequentemente de forma bastante improvisada, tornou-se uma necessidade. De 1940 a 2011 o legislador brasileiro aprovou 136 leis penais, criando um sistema jurídico muito confuso e incoerente.
A primeira tarefa da Comissão talvez seja precisamente a de dotar o sistema penal brasileiro de coerência, sob a égide da proporcionalidade. Há muitas lacunas no Direito penal vigente que devem ser discutidas.
É chegado o momento de sistematizar melhor o Código Penal, assim como discutir meios e mecanismos de maior eficiência da Justiça criminal, marcada tanto pela impunidade como pelo desrespeito aos direitos e garantias fundamentais dos suspeitos, indiciados, acusados e condenados. Toda reforma tem a obrigação de conciliar eficientismo com garantias.
O medo e a insegurança constituem um dos mais graves problemas da atual sociedade brasileira (55% dos brasileiros se sentem inseguros, de acordo com pesquisa do Latinobarómetro). O aprimoramento do ordenamento jurídico penal pode ajudar no combate à violência, mas não se pode imaginar (realisticamente) que seja ele o único responsável pela solução do problema da criminalidade. A ampliação do espaço de consenso talvez seja uma das pautas mais inadiáveis no momento. Que finalmente a Parte Especial do CP de 1940, onde estão definidos os crimes e as penas, seja criteriosamente modernizada.
Dentre as incontáveis propostas que estão sendo discutidas pelas Sub-Comissões podemos citar, exemplificativamente:
(a) o aborto: a ideia seria permitir o aborto em casos de graves e irreversíveis anomalias do feto. Aqui entra o aborto anencefálico. Outra proposta que está sendo discutida diz respeito à possibilidade de aborto até à décima segunda semana, quando a mãe não tem condições psicológicas de suportar a gravidez;
(b) é preciso buscar uma definição legal para o crime de terrorismo, crime organizado, alguns crimes informáticos específicos, cola eletrônica, tráfico interno de pessoas etc.;
(c) eutanásia: está sendo admitida como um crime de homicídio privilegiado, com pena bastante atenuada. Ainda hoje existe muita insegurança jurídica no que diz respeito a esse crime, justamente por falta de definição legal; no que diz respeito à ortotanásia (desligamento dos aparelhos) a proposta é de descriminalização total, possibilitando-se o perdão judicial no caso de auxílio ao suicídio;
(d) quanto ao jogo do bicho há uma grande divergência (por ora): há quem pense em transformá-lo em crime (de contravenção penal viraria crime). Eu, particularmente, não concordo com isso. Penso que o jogo deveria ser descriminalizado. O jogo do bicho em si não é pernicioso a ponto de justificar qualquer reprimenda penal. Caso o jogo se envolva com o crime organizado, tráfico de drogas etc., esses outros crimes devem ser punidos; o argumento de que o jogo do bicho permitiria a lavagem de capitais depende de comprovação empírica;
(e) atenção especial devem merecer os crimes cibernéticos, especialmente os puros, visto que hoje não contam na legislação penal brasileira qualquer tipo de proteção;
(f) no que se relaciona com os crimes sexuais há uma interessante discussão no sentido de se distinguir, num único tipo penal, o estupro vaginal do anal e do oral. Esses crimes seriam distintos do crime de molestamento sexual (tocar nas nádegas de uma pessoa, por exemplo). Isso, na minha opinião, constituiria um grande avanço, visto que a pena para uma conduta e outra não pode nunca ser a mesma;
(g) haveria proibição absoluta de praticar qualquer tipo de ato sexual com criança (menos de 12 anos de idade). A partir dessa idade, cada caso é um caso.
Algo melhor que o direito penal: reformar o CP é necessário, mas, para além desse horizonte normativo, continua válida a utopia da cultura do controle social típico do Estado de Bem-Estar Social, que poderia ser implementada por meio de políticas públicas preventivas social-democratas. A esta utopia vale a pena agregar uma outra: a da transformação do homo democraticus, que tenderia a abandonar sua vulgaridade (sua falta de exemplaridade), para adotar novos códigos de ética e de moral, voltados para a preservação da polis. Com tanto clamor popular por mais segurança pública, com tanta incerteza e dubiedade dos governos das polis, talvez em nenhuma outra época tenha sido mais apropriado o vaticínio de Radbruch (no princípio do século passado) no sentido de que deveríamos lutar não por um melhor direito penal, sim, por algo melhor que o direito penal.
* LFG – Jurista e cientista criminal. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter. Encontre-me no Facebook (@professorLFG). Veja no YouTube nossas lições diárias da Escola da Vida, da Sabedoria e do Sucesso.

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