segunda-feira, 18 de julho de 2011

Arnoldo Wald: A Recente Evolução da Empresa e o Direito.

A Recente Evolução da Empresa e o Direito















































Arnoldo Wald

























Advogado; Doutor em Direito; Doutor Honoris
Causa pela Universidade de Paris II.






















1. Enquanto o Estado perde uma parte de sua potencialidade, seja em virtude da falta de meios financeiros, seja pela criação de grupos regionais, como o Mercosul, o Nafta e a União Européia, seja ainda pela descentralização administrativa e pela maior autonomia dada às regiões ou às várias unidades que compõem a federação, a empresa se fortalece e se transforma, tornando-se o centro da economia e mudando a sua estrutura interna e externa.





















2. No decorrer do século XX, o espírito associativo se desenvolveu e as empresas não são mais necessariamente individuais ou familiares, abrindo-se o respectivo capital em todos os países, inclusive no Brasil. Por outro lado, empregados e executivos passaram a participar mais ativamente da gestão da empresa, numa mudança ligada à profissionalização dos executivos e às novas técnicas de administração, que repercutem na psicologia de comando, que se torna menos autoritário e mais participativo e consensual. Na governança corporativa e no controle da empresa estabeleceu-se um novo equilíbrio de poderes entre acionistas controladores e minoritários, ordinários e preferenciais, administradores e empregados. As novas características da gestão financeira, a maior sofisticação das técnicas utilizadas na produção e nas comunicações, o desenvolvimento da informática e a progressiva robotização estão mudando os níveis educacional, social e econômico dos trabalhadores das empresas mais modernizadas e sua relação com os detentores do capital.





















3. Desapareceu o "patrão de direito divino" que sobreviveu até o fim do século passado. A economia democratizou-se e passamos de uma sociedade piramidal, que refletia a organização militar e a própria estrutura jurídica kelseniana, para uma sociedade baseada nas redes 1 e na comunicação via Internet que domina a "era do acesso" 2. Assim, a "governança corporativa passou a dominar o mundo".

























6. DOUTRINA - Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil Nº 27 - Nov-Dez/2008























4. A revolução empresarial justifica, pois, que a empresa não mais se identifique exclusivamente com o seu dono ou controlador, mas represente também a sua diretoria, seus executivos, seus técnicos, seus trabalhadores, ou seja, as equipes e os equipamentos que constituem o todo. São os stakeholders aos quais se refere a prática norte-americana. Tal fato também decorre de não mais se considerar como únicos fatores de produção o capital e o trabalho, mas de se incluir, entre os mesmos, dando-lhe a maior relevância, o saber, ou seja, a tecnologia que assegura a produtividade da empresa e, na realidade, o seu presente e o seu futuro, abrangendo tanto as técnicas industriais e as comerciais como a própria gestão 3.





















5. A visão realista do mundo contemporâneo considera que não há mais como distinguir o econômico do social, pois ambos os interesses se encontram e se compatibilizam na empresa, núcleo central da produção e da criação da riqueza, que deve beneficiar tanto o empresário e os demais acionistas como os empregados e a própria sociedade de consumo. Não há mais dúvida que são os lucros de hoje que, desde logo, asseguram a sobrevivência da empresa e a melhoria dos salários e que ensejam a criação dos empregos de amanhã.





















6. Por outro lado, a educação e a formação de empresários, técnicos e trabalhadores permitem o progresso e o desenvolvimento dos países, numa fase em que os fatores mais importantes de crescimento econômico, além dos recursos naturais e financeiros, são a organização, o conhecimento e a aquisição da tecnologia. Assim, do mesmo modo que ocorreu uma transformação da função do empresário, houve uma reestruturação ou até uma reengenharia da empresa e conseqüentemente do seu direito.





















7. Para o empresário, o ciclo da revolução tecnológica que se iniciou com a máquina a vapor e se desenvolveu na segunda metade do século XX, com a utilização da energia atômica, a introdução da informática e o desenvolvimento das comunicações, provocou uma verdadeira terceira Revolução Industrial, com repercussões na economia, nas relações humanas e na própria estrutura da empresa. A globalização, a velocidade crescente dos fatos econômicos, a volatilidade das moedas, a incerteza generalizada quanto ao futuro 4, e a multiplicação, em progressões geométricas, das operações permitidas pelo uso do computador exigem do manager contemporâneo um espírito empresarial. Ou seja, deve ser um organizador de sua equipe, do seu tempo e da produção e ter a compreensão exata e dinâmica dos interesses da empresa, dos seus empregados e das necessidades do mercado interno e externo.

























7. DOUTRINA - Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil Nº 27 - Nov-Dez/2008























8. Tivemos, na história da empresa moderna, várias fases sucessivas que ocorreram em períodos distintos nos diferentes países. Em primeiro lugar, houve a identificação do principal detentor do capital com o dono da empresa. Posteriormente, surgiu uma crescente delegação, em virtude da qual o comando empresarial passou à "tecnoestrutura", formada pelos executivos, numa fase na qual as empresas impunham os seus produtos aos consumidores. Mais recentemente, os acionistas retomaram parte do poder 5, chegando, em alguns casos, a destituir os profissionais, ao mesmo tempo em que se firmava a posição dos consumidores protegidos por uma legislação própria. Atualmente, depois do caso Enron, parece que estamos chegando a uma fase de um novo equilíbrio entre os vários poderes: acionistas e executivos, empregador e empregados, empresas e consumidores.





















9. É, pois, na empresa que se devem conciliar, hoje, os interesses, aparentemente conflitantes, mas materialmente convergentes, de investidores, administradores, empregados e consumidores, que constituem os grandes setores da vida nacional. E, aliás, o constituinte definiu os princípios básicos para que a convivência adequada dos vários grupos sociais possa realizar-se, no interesse comum, no presente e no futuro, em todos os seus aspectos, tanto econômicos, como sociais, que, aliás, se interpenetram uns com os outros 6.





















10. Uma vez ultrapassada a concepção do Estado-Providência, com a falência das instituições de previdência social e a redução do papel do Estado nas áreas que não são, necessária e exclusivamente, de sua competência, amplia-se a missão da empresa, como órgão intermediário entre o Poder Público e o Estado. É ela a criadora de empregos e a formadora de mão-de-obra qualificada, produtora de equipamentos mais sofisticados, sem os quais a sociedade não pode progredir. É, também, a interlocutora ágil e dinâmica que dialoga constantemente com os consumidores dos seus produtos e com o Poder Público.





















11. Ainda em meados do século passado, a doutrina francesa já salientava tanto a importância da empresa como a necessidade de sua reforma.





















12. Assim, Pierre Sudreau escreveu que:

























8. DOUTRINA - Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil Nº 27 - Nov-Dez/2008
























"I - L'Entreprise est l'instrument du Progrès Économique et Technique.






















L'entreprise est la cellule de base de toute économie industrielle. En économie de marché, c'est en effet au niveau de chaque entreprise que s'effectuent la plupart des choix qui commandent le développement économique: définition des produits, orientation des investissements et répartition primaire des revenus.






















Ce rôle moteur de l'entreprise est bien l'un des traits dominants de notre modèle économique: par son pouvoir de proposition, l'entreprise est à la source de la création constante de la richesse nationale; elle est aussi le lieu de l'innovation et de la promotion.






















L'Entreprise, principal agent de l'expansion.






















L'entreprise constitue le cadre de la production. C'est en elle que se combinent capital et travail. Elle s'efforce de répondre de façon optimale aux indications du marché. Elle choisit ses produits en conséquence; elle développe ses investissements en vue d'acquérir une part accrue de la production. A cette fin, elle cherche constamment à augmenter sa productivité et à réduire ses coûts. Ce processus a engendré dans l'économie occidentale une expansion spectaculaire dont on connaît les résultats: augmentation du pouvoir d'achat salarial, diminution de la durée du travail, élévation générale du niveau de vie." 7 (grifos nossos)





















13. Por sua vez, François Bloch Lainé defendia a criação de uma democracia industrial, sustentando que:






















"(...) l'entreprise est un lieu d'élection pour réussir les conciliations dont nous ressentons la nécessité et dont nous avons commencé l'expérience. Qu'il s'agisse de combiner la planification et les mécanismes du marché; la liberté d'entreprendre et l'exclusion du gaspillage; la recherche du profit et le service du bien commun; la compétition et la loyauté; l'égalité des chances et les droits tirés de l'héritage; l'autorité des dirigeants et le contrôlede leurs actes (...) les solutions éviteront plus sûrement l'abstraction et l'imprécision si nous les construisons à partir de l'entreprise, cellule de l'économie concrète, microcosme social." 8 (grifos nossos)





















14. Atualmente, tanto na Europa como nos Estados Unidos, advoga-se uma evolução do capitalismo que dê a primazia à empresa, fazendo prevalecer os seus interesses a médio e longo prazos sobre os de cada um dos vários grupos nela integrados ou interessados, que geralmente tendem a pensar no curto prazo e de modo mais individualista.

























9. DOUTRINA - Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil Nº 27 - Nov-Dez/2008























15. Inspirados em parte no capitalismo alemão, japonês e suíço, em oposição ao norte-americano, autores tão diferentes como o economista do M.I.T. (de Boston) Lester Thurow 9, o patriarca dos estudos de management Peter F. Drucker 10, o sociólogo Michel Albert 11 e o empresário Jean Peyrelevade 12 defendem o fortalecimento institucional das empresas, considerando-as como as verdadeiras criadoras da riqueza nacional, cabendo ao Estado a função de catalisador e regulador de um ambiente propício ao desenvolvimento do espírito empresarial.





















16. Peter F. Drucker apontou os problemas específicos da empresa, na fase atual da crise mundial, mostrando suas dificuldades no seu livro intitulado Managing in Turbulent Times 13, acrescentando, posteriormente, em entrevista, numa visão profética, que o administrador deve saber que as coisas nunca mais serão como antes, cabendo-lhe aproveitar, de modo adequado, os dados fundamentais da empresa, redefinir a sua política de crescimento e abandonar as áreas não rentáveis 14. Essa lição nos parece ser da maior atualidade em 2008.





















17. Dentro da mesma ótica, Yves Dunant, escrevendo a respeito do espírito empresarial 15, lembra que, no quarto do século que vai de 1950 a 1975, os empresários puderam viver num mundo de relativa racionalidade e previsibilidade, no qual a sua atuação no passado permitia extrapolar o futuro. As eventuais incertezas decorriam das posições dos concorrentes e da evolução da demanda no mercado, mas os fatos externos pouco influenciavam a vida empresarial. Assim, as estruturas internas cresciam, tornavam-se mais pesadas e complexas, criavam a sua burocracia e havia como planificar a médio e longo prazos. O management fundamentava-se em conceitos que o estruturavam, como a administração por objetivos ou por participações, permitindo, em geral, uma ampla delegação. Havia, pois, para a empresa, um mundo de relativa segurança e estabilidade que lembra o que existia, no campo político, no fim do século XIX 16.





















18. Já agora, lembra Dunant que, a partir do último quarto do século XX, estamos diante de um mundo cuja evolução caracteriza-se pela extrema velocidade, ensejando verdadeira revolução industrial no tocante à tecnologia, à economia e às próprias relações humanas. Por outro lado, em virtude da globalização, a vida empresarial passou a depender direta e constantemente de fatos exógenos, como se verificou no caso da crise atual oriunda da excessiva concessão de crédito subprime nos Estados Unidos.

























10. DOUTRINA - Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil Nº 27 - Nov-Dez/2008























19. Assim, o planejamento empresarial deve admitir a ocorrência de futuros alternativos, com vários cenários, prevendo-se a necessidade de reciclagem e até de mudança de modelo empresarial e de ramos de atividade. Enquanto no passado bastava que o empresário conhecesse o mercado no qual atuava, hoje cabe-lhe acompanhar o mundo externo em tudo que pode interferir, direta ou indiretamente, na produção ou comercialização, abrangendo a evolução das tecnologias, a política monetária e fiscal e até as relações internacionais. Não deve apenas aproveitar as experiências do passado e acompanhar a evolução presente, mas ainda prever o futuro, na medida do possível.





















20. Até agora o homem conseguiu aumentar, de modo infinito, a velocidade, a pressão e o calor, alcançando, com a fusão nuclear, um nível que corresponde ao que acontece no interior de uma estrela. Passamos, doravante, a assistir a uma nova fase da história, na qual a economia organiza-se, num mundo globalizado, em torno da informática e de todas as suas conseqüências e seus efeitos, inclusive a maior separação entre o mundo real e o mundo financeiro.





















21. Poderemos até ter, durante algum tempo, como aliás ocorre hoje, a subsistência paralela de duas economias, uma delas ainda clássica ou convencional, utilizando mão-de-obra e energia no sentido tradicional, e a outra, nova e pioneira, baseada na informatização. Essa duplicidade de economias, que justifica a existência dos "Dois Brasis", aos quais aludia, há algumas décadas, Jacques Lambert 17, lembra a fase na qual, ao lado dos primeiros barcos a vapor que, desde o início do século passado, navegavam no Rio Hudson, os grandes veleiros continuavam a transportar pessoas e mercadorias, entre a Europa e a América, sendo considerados competitivos até as vésperas da Primeira Guerra Mundial.





















22. À transformação da economia corresponde um novo tipo de empresário, que além de ter o espírito empresarial, deverá ser um manager, um organizador da produção e da comercialização, numa fase em que adquirem caráter multinacional. Nesse sentido, a complementação crescente dos recursos dos países em vias de desenvolvimento e dos países já totalmente industrializados está levando a uma nova concepção do empresariado, que deverá ter dimensões necessariamente multinacionais 18. Ultrapassou-se assim a fase das empresas familiares que, com a abertura do seu capital, mudaram não só de feição mas também de governança corporativa, ou seja, de corpo e de espírito.

























11. DOUTRINA - Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil Nº 27 - Nov-Dez/2008























23. As próprias qualidades básicas do empresário sofreram modificações. Não lhe bastam, como outrora, a racionalidade e a audácia; ainda precisa ter a intuição e a ponderação. Exige-se que seja um administrador eficiente e um hábil negociador, dominando as técnicas da informação e da comunicação e acompanhando diariamente as modificações da economia mundial, que deve saber interpretar, calculando as suas eventuais conseqüências em vários cenários.





















24. Na realidade, o industrial e o comerciante do nosso tempo pertencem a um conjunto de forças no qual não mais se distingue o econômico do social. Por outro lado, o cultural reage constantemente sobre o técnico e o muro que separa a usina da vida vai desaparecendo rapidamente com o decorrer do tempo 19.





















25. A evolução da empresa constitui, na realidade, um elemento básico para a compreensão do mundo contemporâneo. Do mesmo modo que, no passado, tivemos a família patriarcal, a paróquia, o município e as corporações profissionais, que caracterizaram um determinado tipo de sociedade, a empresa é, hoje, a célula fundamental da economia de mercado. Já se disse, aliás, que a criação da empresa moderna representa, na história da humanidade, uma mudança de civilização tão importante quanto o fim do estado paleolítico, ou seja, o momento em que o homem deixou de viver exclusivamente da caça para se dedicar à agricultura, abandonando o nomadismo para se fixar na terra.





















26. Na realidade, a grande empresa contemporânea representa uma mudança não só quantitativa, mas qualitativa, quando comparada ao artesanato ou às pequenas sociedades familiares do passado. A nova dimensão que, a partir dos meados do século passado, adquiriram os grupos societários, as multinacionais, as empresas públicas e as sociedades de economia mista importou criar uma nova unidade no sistema político, econômico e social. Trata-se de entidades que, pelo seu tamanho, pelo seu faturamento e pela diversificação de suas atividades, atingiram e chegaram, em alguns casos, a ultrapassar a importância dos próprios Estados soberanos, como bem salientou o jornalista Anthony Sampson 20.

























12. DOUTRINA - Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil Nº 27 - Nov-Dez/2008























27. Podemos reconhecer, assim, que entre as várias transformações básicas que a empresa contemporânea está sofrendo destacam-se as seguintes:





















a) a sua integração na economia internacional, em particular nos blocos regionais, mas também as relações comerciais com os países os mais longínquos, que mal conhecíamos há três décadas;





















b) a substituição da empresa isolada pelo grupo empresarial, pelo conjunto de sociedades que se unem pelo controle ou pela coligação, sem prejuízo de alianças estratégicas de grupos, mediante joint ventures ou parcerias, que, muitas vezes, reúnem até, para fins específicos, os concorrentes, que se consorciam ou criam sociedades de propósitos específicos (SPE ou SPC - Special Purpose Company) para melhor atender os interesses dos seus clientes ou alcançar as dimensões necessárias para a realização de grandes empreendimentos 21;





















c) a reformulação do controle das empresas, com a presença de mecanismos de conciliação dos conflitos entre majoritários e minoritários (como as ofertas públicas de compra e a arbitragem), e a maior proteção dada a estes últimos, com a sua representação nos conselhos fiscais e de administração, em virtude de determinações legais, acordos de acionistas ou disposições estatutárias;





















d) a presença cada vez maior de consultores, auditores e advogados, a fim de garantir não só a evolução formal da empresa, mas a sua melhor performance;





















e) maior transparência nas decisões societárias;





















f) a terceirização crescente de certas atividades secundárias;





















g) no Brasil, uma tendência para substituir, pelo controle partilhado, o controle exercido tradicionalmente, até o fim do século XX, por um único acionista (ou uma família) até chegarmos ao controle pulverizado, que já se adotou em alguns casos;





















h) a substituição de comando autoritário pelo que se denominou a lógica da responsabilidade difusa, baseada na delegação e no consenso 22 mediante um sistema de governança corporativa. Enquanto no passado um pequeno número de pessoas sabia, pensava e decidia o que se devia fazer na empresa, e a maioria se limitava a executar as ordens, está havendo agora uma inversão dessas proporções, com maior autonomia e responsabilidade de todos, desenvolvendo-se competências próprias e estabelecendo-se uma verdadeira cultura empresarial, ou seja, uma escala de valores comum para todos os integrantes das equipes;

























13. DOUTRINA - Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil Nº 27 - Nov-Dez/2008























i) a atribuição de direitos mais importantes aos acionistas preferenciais, que decorre das recentes normas do direito societário;





















j) um maior acompanhamento, pelo Estado, das atividades financeiras para, numa parceria com a iniciativa privada, estruturar uma regulação adequada que, sem tolher a liberdade empresarial, garanta o bom funcionamento do sistema.





















28. Atualmente, a empresa não mais se rege exclusivamente pelo direito societário e pelo direito do trabalho, mas está a merecer um direito próprio, o direito empresarial, com elementos dos anteriormente citados, sedimentados no Código Civil, mas, ainda, abrangendo o direito da concorrência, o direito do mercado de capitais, o direito da engenharia financeira e até o direito da parceria 23.





















29. Para o jurista, as transformações da empresa ensejam uma verdadeira renovação cultural e técnica, obrigando-o a assumir a função construtiva de rever esquemas tradicionais, renovando-os e construindo novas soluções. Quer seja na relação externa, entre a empresa e o Estado, os fornecedores, os industriais e os consumidores, seja na relação interna, entre sócios e diretores, assembléias, conselhos de administração e empregados, é um direito novo que surge. O das joint ventures, dos acordos de acionistas, da participação nos resultados, da terceirização, dos financiamentos internacionais das concessões, da arbitragem e da proteção dos direitos intelectuais. Aliás, no Brasil, desde a última década do século passado, estamos implantando a arbitragem, legislando sobre concessões e admitindo uma ampliação da propriedade intelectual e uma verdadeira renovação do direito societário.





















30. A nova estrutura da empresa faz com que o jurista que analisa o direito empresarial, no início do novo milênio, esteja tão longe do causídico dos anos de 1900 quanto o médico, cuja profissão também evoluiu consideravelmente, no mesmo período, em virtude da imprevisível importância que passaram a ter os equipamentos médicos e os remédios que surgiram a partir dos antibióticos, chegando a mudar a esperança de vida do homem. Do mesmo modo, ao operador do direito cabe encontrar as fórmulas jurídicas adequadas para assegurar o fortalecimento da empresa, a sua integração na economia interna e internacional e ter uma visão do seu papel no futuro, não só no curto, mas também no médio e no longo prazos.

























14. DOUTRINA - Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil Nº 27 - Nov-Dez/2008























31. Ponderou-se que a cada fase do desenvolvimento de um país deve corresponder uma estrutura jurídica adequada, criadora, corretiva e estimulante da atividade econômica, sem permitir as distorções. Um direito excessivamente adiantado em relação às estruturas econômicas, sociais e culturais pode ser tão perigoso quanto um sistema jurídico obsoleto. Os economistas dos países em vias de industrialização consideram, algumas vezes, o direito como um freio à dinâmica do progresso. Mas a criação e a importação de estruturas jurídicas correspondentes a uma fase ainda não alcançada na evolução econômica nacional pode frear o desenvolvimento pelas reações negativas que suscitam na população. Assim, economistas e juristas dos países em vias de desenvolvimento devem colaborar para encontrar as estruturas jurídicas mais adequadas à fase vigente do crescimento, criando, outrossim, mecanismos flexíveis para permitir sua readaptação constante às necessidades da economia, evitando, todavia, sempre que possível, tanto a inflação legislativa e regulamentar como a hipertrofia burocrática, e garantindo a segurança jurídica, atualmente reconhecida como constituindo um princípio constitucional 24.





















32. Função árdua é assim a do jurista que se dedica a atualizar as estruturas de acordo com as circunstâncias econômicas, as necessidades sociais e os imperativos éticos sem permitir a ocorrência de qualquer hiato, que poderá significar a criação de um nó de estrangulamento no desenvolvimento nacional. A função assim exercida tem como finalidade não apenas o crescimento do país, mas o seu desenvolvimento, que significa a realização ampla do ideal de justiça em todas as suas formas 25.





















33. Assim, no início do terceiro milênio, o jurista deve conviver não mais com o comerciante do passado, mas com o empresário que passa a ser o empreendedor, o líder que congrega, em torno de si, equipes e utiliza equipamentos para criar riqueza, no seu interesse, mas, também e simultaneamente, no interesse dos integrantes do grupo que comanda e da própria sociedade e sempre de acordo com os princípios éticos. Esta é a função da empresa como foi concebida pelo Código Civil.





















34. De acordo com os princípios gerais que constam do Código Civil e conforme já previa a Lei nº 6.404/76, que rege as sociedades anônimas, tanto a empresa individual quanto a chamada sociedade empresária devem atender aos imperativos éticos e sociais.

























15. DOUTRINA - Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil Nº 27 - Nov-Dez/2008























35. Sendo a sociedade simultaneamente uma instituição e um contrato plurilateral, deve obedecer ao disposto no art. 421 do Código Civil e sua sociabilidade significa tanto a democratização e a moralização do governo da empresa, ou governança corporativa, quanto a realização de uma conduta que deve corresponder aos superiores interesses do país e da sociedade civil.





















36. Podemos afirmar, assim, que está ultrapassada uma fase do direito comercial que fazia prevalecer sempre a vontade e o interesse dos detentores do capital. Na nova fase, que se inicia com o Código Civil, institui-se uma verdadeira democracia empresarial que deve corresponder à democracia política, vigorante em nosso país, substituindo-se o poder arbitrário do dono da empresa por um equilíbrio que deve passar a existir entre as diversas forças que cooperam para a realização das finalidades empresariais. Consolida-se, assim, uma nova conceituação da empresa como organização com fins lucrativos, mas com estrutura e espírito de parceria entre todos aqueles que dela participam sob as formas mais diversas.

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