domingo, 3 de julho de 2011

“Teoria do Direito Societário distingue aplicação de normas a companhias fechadas e abertas”.

Entrevista

“Teoria do Direito Societário distingue aplicação de normas a companhias fechadas e abertas”
Por Andréa Háfez
17|06|2011
Depois de anos estudando sobre a disciplina do direito societário utilizado para as companhias abertas e fechadas, até para concluir o seu recém lançado livro Direito dos Acionistas (Ed. Campus – 2010), o advogado Jorge Lobo chegou à conclusão de que não é possível aplicá-lo da mesma forma aos dois tipos de empresas. Mais que isso, para permitir uma melhor aceitação dessa distinção, o também professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (EMERJ) acredita na necessidade do desenvolvimento de uma nova teoria, a Teoria do Direito Societário.
A partir daí, segundo ele, será mais fácil compreender as imposições feitas aos envolvidos no cotidiano de companhias abertas e que seriam inaceitáveis em uma concepção tradicional do direito privado, onde as partes fazem as suas escolhas de forma livre. Não há dúvidas de que existem restrições a decisões tomadas em operações relacionadas a companhias abertas, pois os interesses envolvidos vão além do interesse dos particulares. A leitura é feita a partir do direito econômico, com um caráter semi-público.
Em um momento de aperfeiçoamento de sua teoria, Jorge Lobo apresenta alguns dos principais pontos analisados, em entrevista ao Espaço Jurídico BM&FBOVESPA. “O Direito Societário disciplinava de uma forma idêntica as companhias abertas e as fechadas. É necessário uma outra concepção”.
O que é a Teoria do Direito Societário? Por que não deve ficar restrita ao âmbito jurídico?
- A Teoria do Direito Societário é o conjunto sistemático, harmônico, homogêneo e integrado de conhecimentos de ordem jurídica, política e econômica sobre o Direito Societário, não podendo restringir-se à seara jurídica, pois fenômenos políticos e econômicos fazem parte do cotidiano da experiência da moderna sociedade anônima.
Em quais pontos ela se baseia? Por que Filosofia do Conhecimento e Pragmatismo Jurídico?
- Ela alicerça-se nos cânones do Racionalismo Crítico de Karl Popper, segundo os quais não há“verdades verdadeiras” nas ciências, muito menos nas ciências culturais como o direito, razão pela qual é necessário buscar identificar os erros e produzir ideias novas sem o receio de enganar-se. A Teoria do Direito Societário também se baseia no Pragmatismo Jurídico de Richard Posner e Alf Ross, que é um antídoto ao formalismo, ao conceptualismo, à metafísica. Em suma, o pragmatismo é antidogmático, e prega serem as normas jurídicas instrumentais, visam a um fim.
As normas não se bastam por elas mesmas, é isso?
- Sim, as normas jurídicas são instrumentais, ou seja, estão a serviço de um objetivo. Dependendo do ramo do direito de que estamos falando haverá um determinado fim. Cada disciplina protege um determinado direito que protege um fim. Os dogmatistas, os formalistas, acreditam que a norma existe por si só, não têm uma finalidade. Isto porque foram pensadas em uma época que ela era abstrata e geral, bastava o princípio dogmático.
A partir desse contexto, como situar o direito societário a ser aplicado às companhias abertas? Ele não é privado?
- As companhias fechadas são regidas por normas jurídicas de Direito Societário e, portanto, estão sujeitas aos cânones do Direito Comercial e, destarte, do Direito Privado. Já as companhias abertas, devido à desmedida intervenção do Estado na sua regulamentação, de forma minuciosa, quase exaustiva, são reguladas por um novo ramo do direito, um direito semi-público, situado entre o Direito Público e o Direito Privado. Embora também sejam reguladas por normas jurídicas de Direito Societário, as companhias abertas não são reguladas pelo Direito Comercial, isto é, pelo Direito Privado.
As Companhias abertas são objeto do Direito Econômico e não de Direito Comercial. O Direito Comercial estaria relacionado ao princípio de Justiça, enquanto o Econômico aos princípios de eficácia econômica e técnica? O que isso significa?
- Sim, daí a concepção de que as normas jurídicas disciplinadoras das companhias abertas são, antes de mais nada, um meio, um instrumento, uma técnica do Poder Executivo, isto é, do Estado no cumprimento da programação econômica nacional e o fato inconteste de que a matriz por excelência do direito objetivo não é mais apenas o Poder Legislativo, mas, também, o Executivo, através de numerosas disposições normativas.
Nesse contexto do Direito Econômico, o Poder Executivo se apropria das funções do Poder Legislativo?
- Sim, friso, através de normas baixadas por inúmeros órgãos da Administração Pública sob a forma de resoluções, portarias, instruções, pareceres de orientação, etc. É preciso lembrar que, independente desse contexto, as companhias abertas são o motor do mundo capitalista, muitas vezes rivalizando com o próprio Estado, sobre o qual, aliás, também exerce forte influência, não raro, infelizmente, nociva.
Quais as conclusões e conseqüências da constituição da Teoria de Direito Societário?
- O principal escopo da Teoria do Direito Societário é servir de “bússola”, de orientação para o intérprete e aplicador da Lei das Sociedades Anônimas (LSA), pois, quando se trata de companhia fechada, os princípios fundamentais são os do Direito Privado; se se cuidar de companhia aberta, de Direito Econômico. O Direito Privado tem por escopo o princípio formal de Justiça segundo Aristóteles: tratar igualmente aos iguais e desigualmente aos desiguais na medida em que se desigualam; enquanto o Direito Econômico se subordina ao princípio de eficácia econômica e técnica, que visa garantir a organização e o funcionamento da economia nacional, instituindo o primado do interesse público, sem, todavia, esmagar a atividade lucrativa dos indivíduos e das empresas.
Seria possível aplicá-la a um caso prático, a um determinado instituto? Por exemplo, o artigo 254-A, há uma diferença da aplicação do conceito de Justiça e de eficiência econômica e técnica no caso do tag along?
- Só se pode entender (interpretar) o art. 254-A da LSA sob a ótica do Direito Econômico, pois ele encerra uma norma do Direito Público que se projeta no domínio do Direito Privado, produzindo efeitos diretos e indiretos, dos quais se destaca a “obrigação de contratar” do interessado na aquisição do controle acionário de companhia aberta. Se houver interesse em comprar uma quantidade de ações, para ter o controle societário de uma determinada companhia aberta, não basta. A lei diz: além de comprar as ações que deseja para obter o controle, você terá que comprar todas ações dos minoritários que estão no mercado, pagando 80% do valor que pagou ao acionista controlador. Se estivéssemos no campo do direito privado, isso não seria possível, pois onde estaria a liberdade de contratar? O dogma do direito privado é a liberdade de agir, de contratar, de acordo com a sua consciência. Como poderia haver uma norma obrigando alguém a comprar o que não quer e que não precisa? Essa norma deixa de ser de direito privado e passa a ser de direito econômico, pois não visa ao interesse pessoal, mas o interesse público, obrigando a pessoa a fazer o que não quer.
Quando aplicar a Teoria do Direito Societário?
- Ao ler uma norma e perceber que não pode aplicar os princípios do Direito Privado, porque o efeito dela não vai ficar restrito àquelas partes. É um pouco mais complexo: os interesses envolvidos são mais amplos, como é o caso da aquisição de um controle. O fundamental dessa teoria, que estou aperfeiçoando, é a descoberta de que o direito societário disciplinava de uma forma idêntica companhias abertas e fechadas, mas que não é possível aplicar aqui o direito das obrigações, é necessária uma outra concepção. Daí criar essa dicotomia: uma disciplina das companhias fechadas e outra das companhias abertas. Existem normas comuns a ambas, mas algumas se aplicam só às fechadas e outras só às abertas. O objetivo dessa teoria é fazer essa distinção, para que exista, inclusive, uma explicação para imposições de obrigações em um âmbito no qual alguns considerariam ser de livre escolha.
As principais diferenças entre companhias abertas e fechadas:
A companhia é fechada:
Quando os valores mobiliários de sua emissão não são admitidos à negociação no mercado de valores mobiliários (LSA, art. 4º), caracterizando-se a companhia fechada por ter:

  • a sua constituição mediante subscrição particular do capital social por deliberação dos subscritores em assembleia geral ou por escritura pública, incumbindo apenas aos fundadores entregar à assembleia o projeto de estatuto e as listas ou boletins de subscrição de ações;
  • capital social dividido em ações ordinárias nominativas com valor nominal;
  • proibida a distribuição de valores mobiliários no mercado;
  • negado, ao acionista minoritário, o direito ao tag along;
  • garantido, às ações preferenciais, apenas o valor do reembolso, com ou sem prêmio, eis que o dividendo fixo ou mínimo pode ser-lhes negado;
  • podem apresentar somente diretoria;
  • A companhia fechada que tiver menos de vinte acionistas, com patrimônio líquido inferior a um milhão de reais, poderá convocar assembleia-geral apenas por anúncio entregue a todos os acionistas (LSA, art. 294);
  • a aquisição e a venda do controle acionário livre de fiscalização pelo Poder Público, pois o negócio jurídico só envolve e interessa às partes contratantes, vedada a emissão pública de ações (IPO).
A companhia é aberta:
Quando os valores mobiliários de sua emissão estejam admitidos à negociação no mercado de valores mobiliários (LSA, art. 4º) , caracterizando-se a companhia aberta por ter:

  • capital social dividido em ações ordinárias, sendo admitida a divisão em uma ou mais classes de ações preferenciais;
  • seus valores mobiliários admitidos à negociação pública no mercado de capitais;
  • o acionista minoritário direito ao tag along;
  • garantido, às ações preferenciais, independentemente do direito de receberem ou não o valor do reembolso, com ou sem prêmio, pelo menos o dividendo mínimo ou o dividendo diferenciado;
  • o controlador o dever de informar à CVM e às bolsas de valores as modificações em sua posição acionária se eleger conselheiro de administração ou conselheiro fiscal e a companhia o dever de informar à CVM a remuneração global e individual paga aos administradores;
  • conselho de administração, diretoria, auditor interno e auditor independente;
  • a obrigação de convocar os acionistas por avisos públicos no diário oficial do local da sede da companhia e em um jornal de grande circulação pelo menos três vezes com antecedência de oito dias;
  • condicionada a aquisição do controle acionário à participação de instituição financeira e o privilégio de realizar IPO.

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